Como exemplo em políticas de implementação de ônibus elétricos na América do Sul, o Brasil está em terceiro lugar. À frente estão Chile e Colômbia, respectivamente, com destaque para as capitais das duas nações, segundo a plataforma e-Bus radar, que monitora a quantidade deste tipo de veículo em países da América Latina.
No Chile, são 2.446 ônibus elétricos, sendo 92% (2.267) deles na capital, Santiago. Na Colômbia, dos 1.590 existentes, 93% (1.486) estão na capital Bogotá. O Brasil conta com 290 veículos circulando em 16 cidades. Nesta última reportagem da série sobre Mobilidade Sustentável, o Jornal de Brasília ressalta experiências internacionais com a eletrificação e os resultados positivos para a comunidade.
De acordo com Solange Alfinito, professora de Administração na Universidade de Brasília (UnB) e integrante do Conselho Global sobre o Futuro para Emissão Zero de Carbono do Fórum Econômico Mundial (FEM), o posicionamento do governo brasileiro ainda é tímido para a implementação de políticas sustentáveis. “Precisamos ter mais investimentos. E não adianta ter investimento só com recursos públicos. Não tem como trazer um desenvolvimento se não houver a participação de toda a sociedade”, destacou.
Os resultados de políticas que favorecem a adoção de tecnologias limpas e sustentáveis são perceptíveis a nível global. Um dos países destaques no processo de descarbonização é a Noruega, que desde 1990 conta com incentivos fiscais para a importação e aquisição de veículos elétricos (EVs, inglês) de todos os tipos, desde os leves de passeio até os pesados como caminhões ou escavadeiras.
Após 34 anos de políticas de fomento voltadas para a sustentabilidade automotiva, o país nórdico é a nação com a maior proporção de EVs no mundo – o segundo em quantidade absoluta de carros elétricos, atrás apenas da China.
Conforme destaca o Plano de Ação Climática da Noruega para 2021-2030, emitido pelo Ministério do Clima e do Meio-Ambiente do país, o objetivo da nação é cortar as emissões que colaboram para o efeito estufa de 50% a 55% até o fim desta década. No longo prazo, querem reduzir esse número de 90% a 95% até 2050. Para o transporte, um dos projetos do Plano Nacional do Transporte é que todas as novas frotas de ônibus sejam ou de emissão zero ou a biogás até 2025.
O Brasil, segundo Solange Alfinito, está longe de alcançar uma realidade como a existente na Noruega ou em outros países nórdicos, com políticas sustentáveis avançadas, mas isso não significa que o país não possa remir o tempo ao se inspirar nas experiências internacionais e adotar uma espécie de leapfrogging (salto de sapo, em inglês literal, expressão idiomática que significa avançar pulando etapas, escolhendo caminhos com base em erros e acertos de experiências externas).
Neste caso, segundo a professora, o Brasil poderá aprender com os exemplos de políticas sustentáveis e eficazes de eletrificação de ônibus na América do Sul, Europa, e mundo, entendendo demandas e funcionalidades a fim de adaptá-las à realidade brasileira.
Qualidade de vida
Na capital do país nórdico, Oslo, mora a brasileira Samantha Martins, que desde 2020 percebe a diferença de realidade em comparação com São Paulo capital, onde morou até a finalização da faculdade, e Rio Grande, município no Rio Grande do Sul. Ela conta que não tem planos de voltar para o Brasil justamente pela qualidade de vida que possui em Oslo – grande parte influenciada pelas políticas sustentáveis adotadas pelo país nas últimas quase quatro décadas.
“Aqui a cidade tem fábricas, tem várias atividades poluidoras, mas a gente não percebe porque eu acredito que as leis ambientais aqui são muito mais restritas, com muito mais controle. As indústrias são obrigadas a monitorar o que elas estão poluindo e emitindo”, afirmou. “Várias substâncias que são proibidas aqui não são no Brasil, então aqui está muito mais avançado em termos das leis ambientais – e a gente sente isso, o ar aqui não é poluído e não tem sinais [de poluição] como em São Paulo.”
Segundo relatou, não se vê fumaças e não se sente cheiro de poluentes na cidade. “E com relação à saúde, as pessoas têm muito menos asma ou bronquites e doenças respiratórias que são muito associadas com a poluição. É muito menos estressante”, destacou. “Aqui é bem mais saudável do que em relação a grandes capitais e cidades do Brasil.”
“Ele é muito mais silencioso do que um ônibus com motor e, com certeza, muito mais sustentável. […] E é muito bom o sistema de transporte público aqui, muito fácil de pegar. Muitas pessoas têm carro, mas não usam no dia a dia”, exemplificou.
Samantha é especialista em toxicologia ambiental, que estuda os efeitos da poluição e de componentes químicos em seres vivos irracionais. A brasileira tem como foco de estudo a proteção dos organismos de ecossistemas aquáticos, como rios, lagos e oceanos.
Ela explica que as emissões excessivas de CO² podem ameaçar a vida aquática. Em contato com a água, o gás carbônico produz o ácido carbônico, que por sua vez se decompõe em mais componentes corrosivos. O elemento que previne tal acidez nos oceanos e que neutraliza a química do processo é o cálcio, encontrado em conchas de mexilhões e caramujos.
“Com as mudanças climáticas no nível que estamos chegando agora, os oceanos estão perdendo essa capacidade [de neutralizar], tendo que utilizar dessas conchas ou outros recursos com cálcio para poder evitar a acidificação – que causaria problemas muito grandes para os organismos que vivem nos mares. É um problema não tão falado quanto as inundações e a temperatura, mas também é um problema bastante grave”, disse.
Conforme defende, encontrar energias alternativas é a solução para a descarbonização. “E o Brasil é o país para isso. Temos o vento para a energia eólica, o sol para a energia solar, as ondas [ondomotriz]. O Brasil só não vai ter energia geotérmica [extraída de altas temperaturas naturais abaixo do solo], mas de resto tem tudo. Está mais do que na hora de acelerar esse processo de energias alternativas e contribuir para descarbonizar o nosso planeta”, destacou.
Poluição por insegurança
Em São Paulo, Samantha ressalta que um dos fatores que contribuem para o alto fluxo de carros na cidade e a consequente maior poluição do ar e sonora é a segurança.
Segundo relatou, caso tenham condições, as pessoas têm mais disposição para ir ao trabalho de carro e enfrentar o trânsito pesado da cidade do que ir de ônibus e ter a segurança pessoal ameaçada.
“É difícil generalizar. Cada lugar vai ter suas particularidades, mas é preciso tomar passos em direção a um ambiente mais sustentável e mais verde, e cada prefeito e vereador têm que contribuir”, finalizou.
Por Vítor Mendonça do Jornal de Brasília
Foto: Vítor Mendonça/Jornal de Brasília / Reprodução Jornal de Brasília