Resiliência, persistência, dedicação, estratégia e muita determinação. Essas foram as palavras escolhidas por Carla Maia, 43 anos, para descrever a própria história. Jornalista, ela participou — presencialmente ou a distância — da cobertura de cinco paralimpíadas. Agora, está se preparando para ir à primeira como atleta. Será a concretização de um sonho que nasceu 20 anos antes, exatamente no berço dos Jogos Olímpicos.
A brasiliense conta que sempre gostou de esportes. Durante a infância, praticava ginástica artística, atletismo e dança. Aos 17 anos, teve um sangramento espontâneo na medula, que atingiu a coluna cervical e a deixou tetraplégica. Durante a reabilitação, no Hospital Sarah Kubitschek, conheceu Iranildo Espíndola — que viria a ser medalhista paralímpico no tênis de mesa. E sua história começou a mudar.
“Conheci o ‘beabá’ do esporte e vi que dava para amarrar a mão, para segurar a raquete, que eu nem imaginava que era possível”, lembra. “Eu reaprendi a nadar, mas me afoguei várias vezes, não gostava. E, com a minha limitação, que é muito severa, eu não me via conseguindo fazer nada. Não conseguia fazer basquete ou outro esporte que precisasse mais de físico, e aí eu descobri o tênis de mesa.”
O início
Anos depois, ela precisou fazer uma entrevista para o projeto de conclusão do curso de publicidade. Nem precisou pensar muito para escolher Iranildo. “Fui entrevistá-lo e, quando cheguei lá, joguei uma partidinha com ele e o técnico Zé Ricardo viu a gente jogando, ficou louco e falou: ‘você tem que começar a jogar tênis de mesa. Você tem uma tetraplegia, então você já seria a melhor do Brasil hoje. Eu poderia até te inscrever no primeiro Parapan-Americano [da modalidade], que vai ser aqui em Brasília’”, recorda.
A resposta foi em tom de desafio: “Até faria, mas estou sem tempo nenhum, desculpa. Mas, se você me inscrever nesse campeonato, eu venho treinar”. O treinador aceitou, e, em pouco tempo, lá estava Carla competindo. “Fui a zebra, comecei a ganhar e, quando eu vi, estava na final contra uma mexicana e eu estava com um saldo de sets acima do dela, então poderia perder por um set de diferença que eu iria ganhar o ouro e ir para as Paralimpíadas de Atenas [em 2004] como atleta”, relata.
A vaga não veio e virou obsessão, descreve ela: “Aquilo me deu um ódio no coração, mas ao mesmo tempo um amor, porque aí surgiu um amor pelo tênis de mesa, e o ódio, na verdade, virou uma vontade, um desejo, um sonho, um propósito de ir para uma Paralimpíada competir. E começou meu sonho, ali, em 2004, de ser atleta de alto rendimento e de representar o meu país um dia numa Paralimpíada, o que eu estou realizando neste ano”.
Trabalho
O desejo de ir a Atenas (Grécia) era tamanho que Carla afirma que viajaria nem que fosse como espectadora. Mas foi além e conseguiu cobrir os Jogos como jornalista – atuação que repetiu em Londres (Inglaterra) e no Rio de Janeiro presencialmente, e em Pequim (China) e Tóquio (Japão), como comentarista no Brasil. Não foi o bastante, porém, para dar o sonho como realizado. Por isso, Carla seguiu treinando e competindo.
Só que, apesar de conseguir bons resultados, ainda faltava um quê de justiça. Os paratletas do tênis de mesa são classificados de 1 a 10, a depender do grau de mobilidade. Ela seria classe 1 — de menor mobilidade —, mas vinha disputando na classe 2. “Cada vez mais eu percebia que as atletas estavam com uma mobilidade muito diferente da minha”, relembra. “As próprias atletas da minha categoria falavam: ‘você não é 2, você é um 1, pede reclassificação’. Em 2023, eu resolvi pedir a reclassificação, fui para a Polônia, fui reclassificada, eles perceberam que eu era mesmo da categoria 1 e, a partir dali, as coisas foram fluindo mais naturalmente”.
Fluíram até uma competição na Tailândia, na qual Carla conquistou a vaga para os Jogos Paralímpicos de Paris. As duas viagens — para Polônia e Tailândia — só foram possíveis pelo financiamento do programa Compete Brasília, do Governo do Distrito Federal (GDF). “Eu acho que o esporte paralímpico é a coisa mais inteligente que inventaram para a questão da reabilitação”, valoriza ela.
“Antigamente, essas pessoas ficavam em casa, não se cuidavam, ficavam doentes… e o esporte paralímpico transformou isso”, prossegue a atleta. “As pessoas se cuidam, cuidam da saúde, viram atletas, produzem, viajam, movimentam a economia e isso é muito importante. Eu acredito que o investimento do governo no esporte, principalmente no paralímpico, não é só no esporte, mas na sociedade como um todo.”
Inspiração
Pronta para viajar a Paris, com a serenidade de quem alcançou um sonho, Carla sabe que vai servir de exemplo para outras pessoas: “Eu acredito muito no poder da inspiração. Assim como fui inspirada por um atleta, o Iranildo Espíndola, eu fico muito feliz de saber que eu toco as pessoas e que elas têm uma vida melhor porque, de alguma forma, eu passei algo bom para elas. E isso é muito legal”.
Para essas pessoas, ela deixa um conselho: “Não desistam dos seus sonhos. Sejam resilientes, mas não teimosos. A resiliência funciona com estratégia. Realmente, eu não desisti do meu sonho, lutei muito por ele, mas eu mudei a minha estratégia, mudei de categoria, mudei a forma que eu estava treinando para conquistar essa vaga. Eu acredito que as pessoas possam ir atrás do seu potencial, dos seus sonhos, com resiliência, com estratégia e não com teimosia. Se dediquem, se esforcem, acreditem nos seus sonhos e tenham metas audaciosas. Porque, por mais que você não conquiste essa meta, no caminho vão surgindo oportunidades. e cada oportunidade é uma conquista”.
E o que vem depois de alcançar um sonho de 20 anos? “Eu vou viver esse sonho, quem sabe dele não vão surgir outros?”, aponta. “Acho que a gente nunca pode parar de sonhar, porque quem não tem sonho não tem vida. Vamos viver essa experiência o máximo possível, e quem sabe ali não surge um novo propósito na minha vida? São cenas dos próximos capítulos”.
Por Fernando Jordão da Agência Brasília
Foto: Joel Rodrigues/Agência Brasília / Reprodução Agência Brasília