É dia de yakissoba do Projetando o Futuro. Mas a carne, o macarrão, os legumes e as verduras não estão ali somente para satisfazer a fome de comida. Cada aluno alimenta o sonho de aprender um ofício e conseguir uma vaga no mercado de trabalho. São moradores do abrigo criado em 2020 pela Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes), em parceria com o Instituto Mãos Solidárias no estádio Abadião, em Ceilândia. A iniciativa atualmente atende 180 homens que estavam em situação de rua e, agora, contam com moradia temporária, alimentação e suporte psicossocial.
É o caso do Marcelo Cardoso, de 37 anos. “Aqui eu participo das oficinas que possam me levar de volta para uma vida profissional”, conta. O agricultor de Januária (MG) veio para Brasília há um ano em busca de oportunidades e ficou sem emprego. Há três meses no abrigo, ele garante que o suporte é fundamental para ter uma nova chance. “Aqui eu não durmo na rua, tenho cuidados e alimentação. Para procurar emprego preciso de banho, preciso estar seguro”.
Com a habilidade de quem cultivava alimentos, Marcelo aprendeu durante o preparo do yakissoba a como aproveitar cada parte das verduras e as principais dicas para o preparo do macarrão. Uma vaga de auxiliar de cozinha poderia mudar a vida do mineiro e, quem sabe, até poder reencontrar a família. “Emprego fixo está difícil. Trabalho duas ou três semanas, mas é sempre bico. Eu tenho que ter algo firme para poder pagar um aluguel, pagar conta de luz, água”.
“Por aqui já passaram pessoas que tiveram empresas. Todos têm sua própria história de vida e precisamos tratá-los com muito respeito”Luana Dantas Pereira, educadora social
E há vontade de trabalhar. Mecânico de carros, Raimundo Souza da Cruz, de 43 anos, observou que poderia ter mais oportunidades em pequenas obras residenciais. Agora, todos os dias acorda cinco horas da manhã e vai para o Guará, onde faz desde pintura de apartamentos até limpeza de telhas. “Aqui é muito importante para mim porque chegou a noite e estou seguro, tem comida, tem uma cama”, diz. O objetivo é o mesmo de muitos outros moradores: ter condições financeiras para, assim que for possível, alugar uma residência.
No alojamento montado sob a arquibancada do Abadião, os 180 homens encaminhados pela rede de atendimento da Sedes contam com camas individuais, armários, banheiros, refeitório para as cinco refeições diárias, lavanderia e área para isolamento em caso de suspeita de Covid-19. Eles são responsáveis pela própria limpeza do local. A permanência não é obrigatória, mas caso decidam ficar todos precisam aceitar as regras de convivência, como normas de higiene, horários determinados para entrada e saída, necessidade de autorização para se ausentar por mais de um dia e participação nas oficinas terapêuticas e de formação profissional.
“Não é apenas um lugar para dormir ou ter alimentação. Trata-se de uma iniciativa integrada para dar dignidade e promover uma efetiva ressocialização dessas pessoas, muitas delas vindas de outras unidades da Federação e que ficaram em situação de rua no Distrito Federal”, explica a secretária de Desenvolvimento Social, Mayara Noronha Rocha. Os homens recebem orientações de como participar de programas sociais e, de acordo com a necessidade, são atendidos por outras iniciativas do poder público, como os Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), da Secretaria de Desenvolvimento Social.
“A nossa missão é tentar mudar a vida deles”, diz a educadora social Luana Dantas Pereira. Assistente social e chef de cozinha, é ela quem está à frente da oficina de culinária que já deu dicas de refeições francesas e agora explora a cultura asiática. Segundo Luana, é preciso saber identificar as potencialidades de cada um deles e entender as diferenças. Há quem nunca ouviu falar de yakissoba, há quem já teve amplas oportunidades. “Por aqui já passaram pessoas que tiveram empresas. Todos têm sua própria história de vida e precisamos tratá-los com muito respeito”, afirma.
Cada um ajuda como pode. Se alguns não têm jeito para cozinha, dão apoio nas tarefas mais básicas. O brasiliense Thiago Sousa Pereira, de 31 anos, é paciente psiquiátrico em acompanhamento pelo CAPS de Samambaia, e garante se destacar nos cuidados diários. “Eu gosto de ajudar em tudo. Encho todos os galões de água daqui, só eu!”, conta. Não saber cozinhar não o impede de acompanhar cada etapa da oficina de culinária. “É que a comida é muita gostosa!”.
Diversidade
O respeito à diversidade também faz parte do dia a dia. Há um mês no abrigo, Paulo Henrique Barreto, de 28 anos, diz ter encontrado um acolhimento muito diferente do que viu nas ruas. “É importante para mim por saber que não estou sozinho. Têm pessoas aqui com quem eu posso contar”, explica.
A orientação sexual é respeitada e expressada, por exemplo, nas oficinas artísticas. Toda sexta-feira há um concurso de poesia. Sob orientação do rapper Marcus Vinícius Sales, o Projetando o Futuro desenvolve a criação artística dos abrigados. “Quando eles veem que a ideia é boa, eles dão atenção. Hoje eles já estão pedindo por isso”, explica. Seja em um caderno, em um pedaço de papel ou mesmo de cabeça, cada um apresenta sua visão de mundo e aguarda as palmas dos colegas.
Há temas de amor, saudades da mãe e muitas reflexões sobre novas chances de vida. “O mar se torna quente se tem alguém que te entende”, rima o Thiago Vinícios Rodrigues. Os colegas se entusiasmam nas palmas e depois organizam a fila. É hora de mais uma refeição e a conversa agora é sobre conquistar uma oportunidade lá fora.
*Com informações da Secretaria Desenvolvimento Social
Por Agência Brasília com informações de Sandra Barreto da Gazeta do DF
Foto: Humberto Leite / Sedes