Memórias e receitas reunidas em nome da ancestralidade

Publicação nasce do projeto Fufu Ajayô que uniu culinária, identidade e empreendedorismo para transformar a vida de mulheres da Cidade Estrutural

Durante dois meses, sete mulheres da Cidade Estrutural se dedicaram a explorar o preparo de comidas e a compreender como temperos e sabores podem servir de ponto de partida para discussões sobre ancestralidade. Dessa experiência, nasceu o livro Fufu Ajayô — Empreendedorismo Feminino e Alimentação Ancestral, que reúne histórias e receitas elaboradas pelo grupo.

Voltada para mulheres negras e LGBTQIAPN da região, a iniciativa ofereceu formação gratuita em gastronomia ancestral e gestão de pequenos negócios. A partir do diálogo em torno da comida, as mulheres tiveram a oportunidade de iniciar conversas sobre território, identidade, familiares e rituais culinários, que são elementos que compõem a memória afetiva das participantes e que, agora, estão registrados na publicação.   

Além do foco em gastronomia, a formação também abordou gestão de pequenos negócios conduzidos por mulheres. O objetivo era fornecer ferramentas para que as alunas pudessem elaborar e aprovar projetos em editais culturais, construir negócios gastronômicos, planejar restaurantes e ocupar a cena do empreendedorismo alimentar com repertório próprio e visão política. 

Os resultados aparecem na prática. Rosana Mendes, 41 anos, trabalhou como babá por 15 anos e, mais recentemente, como motorista de aplicativo. Há um mês e meio, ela passou a se dedicar exclusivamente ao seu negócio de biscoitos amanteigados. Segundo Rosana, o curso a encorajou a dar esse passo. “Aprendi que o medo a gente bota no bolso e anda com ele”, afirma.

O empreendimento tem avançado: para este Natal, Rosana tem 12 encomendas grandes. Além do incentivo ao empreendedorismo, ela destaca que aprender sobre ancestralidade foi transformador. “Chegar até aqui é mérito dos nossos ancestrais”, diz. No encerramento da formação, as participantes apresentaram pratos inspirados em suas raízes em um evento coletivo. Rosana levou um creme de galinha, receita típica do Piauí, seu estado de origem. Para ela, os sabores do prato trouxeram a família para perto.

O livro, ela diz, é motivo de orgulho que carrega para onde vai. “Um dia, estávamos sem perspectiva e, agora, a gente reúne nossas experiências em um livro”, fala, emocionada. O sentimento é compartilhado por outras participantes. Para a gari Maria de Jesus Bastos Lima, 55, é maravilhoso ter as experiências registradas em um livro. Ela considera que um dos pontos fortes do curso é a aproximação da cultura de diferentes estados. Nesse sentido, das receitas presentes na publicação, ele destaca o acarajé, que adorou fazer e saborear. 

Projeto

Realizado com recursos do Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal (FAC), o projeto foi idealizado por Ray Preta, 38, e sua esposa, Tássia Aguiar, 41. As duas produtoras culturais abriram, em 2020, o restaurante Cantinho de Caburé Cozinha Vegana, onde tiveram a oportunidade de explorar a alimentação vegetal e a culinária ancestral. A partir dessa experiência, surgiu o desejo de levar reflexão e conhecimento sobre essas questões para a comunidade periférica de Brasília por meio da teoria e da prática. “Queríamos muito levar o tema da ancestralidade para essas mulheres, porque nosso poder está nas nossas raízes”, conta Ray, que também é coordenadora geral da iniciativa.

Assim, o projeto ganhou vida, realizado pela Aguiar Conexões Criativas, em parceria com o Coletivo da Cidade e com apoio da Casa Orí Ayô. Ao longo de dois meses, as alunas tiveram oficinas de alimentação que rejeita a exploração animal, hortas urbanas, nutrição, segurança alimentar, empoderamento feminino e fotografia de alimentos. O resultado deixou Ray muito satisfeita: “O projeto foi muito impactante. As mulheres que participaram chegaram de uma forma e saíram transformadas. Fiquei feliz que conseguimos alcançá-las”.   

O livro será distribuído de forma gratuita na comunidade. Os exemplares serão entregues para as alunas, a equipe de oficineiras, juradas convidadas, realizadoras do projeto e para a instituição Coletivo da Cidade. Também terão edições disponíveis para livre consulta.

*Estagiária sob supervisão de Tharsila Prates

Por Gazeta do DF
Fonte Correio Braziliense
Foto: Divulgação