Ser mãe e mulher, ao mesmo tempo, pode ser uma experiência desafiadora. A pressão para ser boa em uma quantidade exorbitante de tarefas é capaz de levar à exaustão. Cuidar da casa e de si mesma, trabalhar e buscar a própria independência financeira. Afinal, elas têm sonhos como qualquer pessoa. O preço pela maternidade, por vezes, é considerado caro demais. Por isso, muitas delas acreditam que maternar não é a melhor opção, especialmente se isso nunca foi, de fato, um grande desejo.
Nos últimos anos, de acordo com o Observatório Nacional da Família, a taxa de fecundidade no Brasil recuou de 2,32 filhos por mulher para 1,57, entre o período de 2000 a 2023. Até 2030, estima-se que esse número caia para 1,47. Essa redução pode estar associada a vários fatores, como planejamento familiar, educação sexual e, também, os custos necessários para criação de filhos — que podem ser caros.
Além disso, acredita-se que a mulher, com cada vez mais espaço no mercado de trabalho, tem optado pela carreira profissional com ênfase e dedicação. Aliado ao fato de que muitas, inclusive, nunca enxergaram na maternidade um sonho para suas vidas. Professora do curso de psicologia do Centro Universitário Uniceplac, Natália Sertori afirma que ser mãe é uma experiência complexa e difícil.
Na sociedade, por exemplo, esse papel já representou diversos valores sociais, como procriação e continuidade dos herdeiros. “E a comunidade auxiliava nesse maternar. Depois, a responsabilidade vem para a família, e a mulher assume o maternar como dominante. Boas mães seriam aquelas que assumem seus filhos em tempo integral sem se queixar. E, recentemente, com a mulher no mercado de trabalho e assumindo cargos, a mãe perfeita precisa dar conta dentro e fora de casa.”
As cobranças, segundo a especialista, são inúmeras: parto natural, amamentação, educação, fralda ecológica, tela, açúcar, chupeta, soneca e ordenha para voltar a trabalhar. Dessa forma, a mulher se cobra, se compara e pouco se acolhe. Diante de tantos desafios, buscar apoio emocional é fundamental. Entretanto, é exatamente aí que mora o problema: esse suporte quase nunca aparece.
Sociedade e preconceito
Desde pequena, já nas brincadeiras de criança, Joice Évelin Barbosa da Silva, 42 anos, nunca teve o costume de brincar de ser mãe. “Era sempre a titia e dava todas as minhas bonecas para minha irmã ou amigas”, relembra. Assim que cresceu, notou que esse desejo pela maternidade nunca havia florescido. Muito pelo contrário, acreditava, fielmente, que essa não era uma realidade para ela.
Sempre muito focada em outros aspectos de sua vida, principalmente o profissional, a analista de qualidade nunca sentiu pressão ou vontade em se tornar mãe algum dia. A definição sobre seu futuro veio com muita maturidade, sobretudo em entender e respeitar os próprios desejos. “A terapia também me ajudou muito nessa etapa de respeito e aceitação das minhas vontades, pois a cobrança da sociedade e de familiares meio que me obrigavam a ter que pensar em ser mãe”, complementa.
A escolha de não maternar, diante desse sonho que nunca nasceu, não foi nem um pouco difícil. Os obstáculos, porém, se apresentaram durante o caminho. A sociedade, a família e os amigos, por vezes, não entendem o motivo de sua decisão. “Da minha parte, está muito bem resolvido e compreendido; contudo, ainda existe muito preconceito“, afirma Joice. Somente quando buscou um profissional em saúde mental, tudo passou a mudar.
Conseguia impor seus limites e falar em voz alta para qualquer pessoa sobre o seu desejo de não ser mãe. Antes, de acordo com ela, tinha muito receio de expor qual era sua real vontade. Em um mundo que trata como obrigatório que mulheres cumpram esse rito da maternidade, Joice enfrentou no outro lado da moeda o peso que uma vida contrária a esse pensamento carrega. Ainda assim, tem sido feliz até aqui. E mudar de ideia não está em seus planos.
Para o futuro, Joice acredita que o universo feminino deve optar cada vez mais por uma realidade sem filhos. “O estilo de vida que as mulheres têm hoje, se dedicar ao trabalho, à casa, ao relacionamento, demanda demais. A diferença é que, hoje, a impressão que tenho, é que existe um movimento maior de mulheres que optam por não ter filhos, então mesmo que haja ou não julgamento, a realidade deve ser outra”, finaliza.
Escolhas individuais
Na visão da psicóloga Natália Sertori, a maternidade também está atrelada à cultura de crescer e reproduzir, bem como da visão de que a mulher só seria completa ao se tornar mãe. No entanto, nas últimas décadas, a reflexão sobre a decisão de não ter filhos vem aumentando. Mas a aceitação da sociedade não cresce na mesma velocidade. “A escolha de não ter filhos ainda vem repleta de: você vai se arrepender; o relógio biológico vai chegar; você está sendo egoísta; e por aí vai”, acrescenta.
Escolhas individuais, mas que são difíceis pelas opiniões alheias. Apesar de mais mulheres estarem escolhendo uma vida sem filhos, as cobranças da sociedade provocam prejuízos à saúde mental, sobretudo a longo prazo. “A pressão de achar que tem que atender às expectativas culturais da sociedade pode impactar na autoestima e na autoconfiança, fazendo com que ela se sinta inadequada e incapaz, podendo desencadear em um sofrimento psicológico que precisa ser avaliado”, destaca Natália.
A consolidação da mulher no mercado de trabalho, a construção da carreira, a mulher mais independente nos vários cenários de sua vida, faz com que ela pense sobre adiar ou não viver a maternidade. A ideia de “instinto materno” vem se desfazendo conforme elas ganham voz. Dessa forma, há uma avaliação constante do querer ser mãe. A mulher acompanha uma amiga, uma irmã, colegas de trabalho passarem por todas essas situações desafiadoras que a maternidade traz e se questiona se quer isso para ela.
Bênção ou fardo?
“Nunca vi a maternidade de uma forma romântica”, comenta Giovanna Azevedo, 27. Para ela, ser mãe é um desafio grande demais para se ter. Uma realidade com mais prós do que contras. No entanto, essa decisão sempre elenca questões feitas por outras pessoas. Logo, tentam criar um cenário no qual haverá infelicidade sem filhos. Questionam como o futuro namorado ou marido vai se portar perante essa escolha, além de afirmarem que ainda é cedo demais para tomar como verdade absoluta que maternar não é bom.
Para a enfermeira, muitos ainda enxergam a maternidade como trunfo. E, ao dizer que não será mãe, aparecem com opiniões e perguntas. “É uma escolha que deve ser tomada por apenas uma pessoa”, complementa. Durante todo o recorte de sua vida, Giovanna não se lembra de ter considerado um futuro com a casa cheia de filhos. Desde muito nova, sempre disse aos familiares que jamais seria genitora, uma vez que, por ela, isso é mais um fardo do que uma bênção — especialmente por ser mulher.
Sobre a maternidade, o pensamento de Giovanna continua o mesmo. Todas as abdicações, quando o assunto é formar uma família, partem mais das mulheres do que de todo o resto. “Ser mãe é ter a consciência de que a vida nunca mais será a mesma, o corpo muda, a visão do mundo muda e com isso gera-se todo um espaço para o depois. Depois estuda, depois forma, depois trabalha, depois treina, depois sai, depois vive, porque o hoje vai ser só sobre educar e criar uma criança”, destaca.
Na visão da enfermeira, há mais para se sacrificar do que para ganhar. Em uma sociedade que culpa mulheres e as cobra por quaisquer que sejam as decisões, buscar um futuro em que o único foco seja apenas você, não é nada fácil. No entanto, esses ideais têm mudado com o passar dos anos. Bom, pelo menos, é o que Giovanna gosta de acreditar.
“A sociedade vem mudando bastante o comportamento em relação às mulheres e às suas vontades. No entanto, ainda há a associação de que uma mulher de valor é casada e tem filhos. Acredito que se o filho não vier como uma boa projeção de futuro, uma boa condição, o peso e o julgamento da sociedade com mães solos ainda é mais problemático do que só com quem não queira ter filhos. Acredito que não só o julgamento da sociedade bem como o entendimento da mulher acerca dessa posição. Muitas delas estão priorizando mais a vida profissional do que a familiar”, diz.
Geração NoMo
Após a Segunda Guerra Mundial, com a entrada das mulheres no mercado de trabalho formal, a sociedade passou por mudanças significativas na divisão de funções por gênero. De acordo com a socióloga Silvia Muiramomi, a maternidade, que sempre foi vista como uma garantia de sobrevivência coletiva, começou a ser tratada como um obstáculo. “A sociedade foi colocando a maternidade como um impedimento, e as mulheres foram se conformando aos novos padrões de produtividade e trabalho.”
Essa resistência, segundo ela, também está associada à luta contra o patriarcado e à busca por direitos e liberdade das mulheres sobre seus corpos e suas vidas. “Optar por não maternar é, de certa forma, um posicionamento político de enfrentamento aos papéis de gênero rígidos impostos pela sociedade patriarcal”, ressalta.
O movimento NoMo (not mothers), que vem ganhando força, está, de acordo com a socióloga, diretamente relacionado à insegurança social e econômica. “Com o cenário de emergência climática e a ideia de escassez de recursos, cresce a sensação de vulnerabilidade. Tenho ouvido mulheres jovens afirmando que não querem ser mães porque as expectativas de uma vida feliz para as crianças no futuro são muito reduzidas”, analisa.
Além disso, as mulheres que escolhem não ser mães, muitas vezes, buscam maior estabilidade econômica e profissional. “Ao evitar a maternidade, elas conseguem focar suas energias em suas carreiras, rompendo com a bolha da vulnerabilidade econômica que ainda afeta muitas mulheres.”
A socióloga destaca ainda que a pressão para ser mãe mudou, mas não desapareceu. “Hoje, o adiamento da maternidade é regra. A mulher precisa se estabilizar financeiramente, conhecer o mundo, adquirir bens e só então se aventurar na maternidade. Antes, a família era uma força que impulsionava para o mercado de trabalho e construção de patrimônio. Agora, a maternidade só é cogitada após a conquista da estabilidade financeira”, reflete.
Silvia também alerta para o impacto da diminuição de nascimentos na estrutura familiar e social. “O número de idosos vem crescendo, enquanto a proporção de jovens diminui. Em breve, isso impactará a previdência social e a assistência aos idosos que não têm filhos. Precisamos repensar o papel da maternidade e reconhecer seu valor para a sociedade”, pondera Silvia.
Conexão individual
Ao longo dos anos, a decisão de ter ou não filhos pode mudar. Isso aconteceu com Raquel Alves, 49, que após priorizar sua carreira e viajar pelo mundo, começou a tentar engravidar aos 32 anos, enfrentando problemas de saúde que tornaram a gravidez difícil, incluindo endometriose e cirurgias. “Com o tempo, comecei a pensar se, para mim, era tão importante assim ter filhos naturais, e cheguei à conclusão de que não era. Eu iria ser uma tia legal e estava/estou contente com isso”, menciona.
Ela conta que a separação aos 42 anos solidificou essa escolha, levando-a a perceber que não queria ser mãe solo. “Os tratamentos não estavam sendo eficazes e meu ex-marido não era muito simpatizante à ideia de adotar, e acredito que os dois devem estar de acordo quando se trata de uma decisão assim. É um processo muito exaustivo e, no final dele, eu já estava cansada”, acrescenta .
Raquel sente que sua decisão de não ter filhos a libertou de pressões sociais e expectativas. “Eu não tenho essa visão de que a mulher nasceu para parir e que a grande função social dela é gerar vida e botar filhos no mundo. Eu me senti mais conectada comigo mesma quando, definitivamente, decidi que isso não era para mim”, analisa.
Sua relação com a família foi marcada inicialmente por surpresa, mas não houve conflitos significativos, e com o tempo, eles entenderam sua escolha. “Minha família ficou um pouco chocada. Como eu tentei tanto e fiz tratamentos, foi confuso para eles entenderem minha decisão. Apesar disso, nossa relação não foi afetada de forma negativa. Eles ainda têm dificuldades para compreender meu estilo de vida, uma mulher de quase 50 anos que optou por não ter filhos, mas está tudo bem assim”, complementa.
“Com outros parceiros, minha decisão de não ter mais filhos me ajudou bastante. Quando começo a me envolver com alguém e surge o assunto, digo logo que não quero e nem posso ter filhos. Essa frase muda a dinâmica dos relacionamentos e, honestamente, torna tudo mais leve”, diz a analista política ao perceber que a decisão de não ser mãe também teve um impacto positivo em suas relações, proporcionando maior leveza e clareza em suas interações.
Entre escolhas e pressões
Renata Amorim, 49, como muitas mulheres, sempre teve o desejo de ser mãe. No entanto, a realidade mudou quando foi diagnosticada com endometriose profunda. “Foi depois dos 30 anos que eu percebi que seria muito difícil engravidar naturalmente. Após os 35, eu já tinha entendido que a maternidade, pelos meios naturais, não seria uma opção para mim”, explica. Mesmo assim, Renata decidiu não recorrer a tratamentos de fertilização. “Eu nunca quis fazer tratamentos para engravidar, e comecei a trabalhar a minha cabeça para entender que não ser mãe não seria o fim do mundo”, acrescenta.
O processo de aceitação não foi simples. A servidora pública precisou repensar a própria vida e redescobrir novos caminhos. “Não foi de um dia para o outro, mas eu entendi que poderia ter uma outra lógica de vida e que não seria infeliz por não ser mãe. A endometriose me trouxe essa condição e me mostrou uma outra forma de viver”, reflete.
Quando questionada sobre se não ter filhos trouxe mais liberdade ou benefícios, ela é enfática: “São escolhas diferentes. Quem tem filhos é feliz com as suas escolhas e quem não tem também pode ser feliz com outra forma de viver”. Para Renata, o tempo livre, que muitas vezes parece ser uma vantagem para quem não tem filhos, na verdade, se traduz em uma vida diferente, mas não necessariamente melhor.
Renata compartilha que a decisão de não ter filhos aconteceu antes de seu atual relacionamento. “Quando comecei meu relacionamento atual, já sabia que não teria filhos naturalmente, e isso nunca foi um problema. Meu marido também não tinha o sonho da paternidade, então, nesse aspecto, foi tranquilo”, revela. No entanto, a pressão da sociedade e da família é constante. “Já recebi olhares de pena e perguntas sobre por que eu não tentava um tratamento de fertilização.”
A servidora pública também aponta que a pressão para a maternidade vai além da família. “Ela vem dos amigos, dos colegas de trabalho. As pessoas perguntam: ‘Mas você não quis ser mãe? Não gosta de crianças?’. Isso não são perguntas fáceis de responder, porque eu queria ser mãe, mas minha condição não permitiu”, desabafa.
“Essa pressão faz com que muitas mulheres escolham a maternidade sem estarem emocionalmente ou financeiramente preparadas. Eu sempre quis ser mãe, tinha uma estrutura emocional e financeira, mas entendo que ser mãe é uma grande responsabilidade. E ser mãe não é sinônimo de felicidade. Muitas mulheres acabam cedendo à pressão social sem estarem prontas”, conclui.
Por Eduardo Fernandes e Luiza Marinho do Correio Braziliense
Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press / Reprodução Correio Braziliense