Adotar um cachorro vítima de maus-tratos é muito mais do que dar um lar: é oferecer uma nova chance de vida para um ser que antes só conhecia a dor. É transformar sofrimento em amor, medo em confiança, e silêncio em alegria. Cada adoção é um ato de nobreza, um recomeço, onde cicatrizes vão aos poucos dando lugar a rabinhos abanando e olhares de gratidão.
A maioria desses animais chega repleta de traumas, carregando no olhar uma história de abandono e violência. Mas com paciência, afeto e cuidado, eles reaprendem a confiar. Ganham de volta aquilo que lhes foi negado: o direito de serem felizes.
Segundo dados da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), em 2023 foram registrados 524 casos de maus-tratos a animais. Em 2024, até o momento, foram 89 casos, o que representa uma queda de 83%. Um sinal positivo, mas que ainda reforça a importância da denúncia e da conscientização.
Diego Martins, de 26 anos, é um exemplo de amor pelos animais. Ele abriu as portas e o coração para cinco cachorros resgatados de situações de extrema crueldade. Pluto, por exemplo, apanhava muito dos antigos donos. Patinha foi abandonada com uma fratura exposta na perna. Banguela, idoso, foi deixado em uma parada de ônibus com uma ferida no peito, tomada por bicheira. Guerreiro foi jogado na rua após adoecer com quatro doenças simultâneas. E Snoopy, cego dos dois olhos, foi simplesmente descartado por ser um cão especial.
“Quando encontrei cada um deles, era impossível não perceber a tristeza no olhar, o sofrimento. O resgate é só o primeiro passo. Todos precisaram de longos tratamentos médicos e emocionais. São meses ou até anos de cuidado, paciência e muito amor até começarem a confiar novamente nas pessoas”, conta Diego. Hoje, o cenário é outro: “Eles vivem felizes, cheios de vida. O olhar, que antes era de medo e tristeza, agora é de alegria. São gratos todos os dias. Cada um tem sua história, mas todos têm um final feliz”, emociona-se.
O combate
O delegado Jonatas Silva, da Delegacia de Repressão aos Crimes Contra os Animais (DRCA), explica que os casos mais comuns são abandono em imóveis após mudança, filhotes deixados nas ruas e negligência com alimentação, abrigo e água. As regiões mais afastadas do Plano Piloto concentram o maior número de ocorrências. “Costuma acontecer em áreas de maior vulnerabilidade social e com menos acesso à informação”, explica.
Ele reforça a importância da denúncia: “As investigações começam a partir das denúncias da população, que podem ser feitas de forma anônima. Muitas vezes, é a única chance de salvar a vida desses animais, que não têm como pedir socorro por conta própria”.
Célia Caldas, 51, também tem histórias comoventes para contar. Ela resgatou três cães das ruas, mas dois casos recentes tocaram especialmente seu coração. A primeira foi Flor, uma filhotinha encontrada em um dia de chuva, escondida no mato e chorando. “Eu a peguei no colo, tremendo. Levei direto ao veterinário, dei as primeiras vacinas. Hoje ela é meu amorzinho branco”, conta, emocionada.
Pouco tempo depois, encontrou Lady, caída em um beco, magra a ponto de os ossos das costelas ficarem visíveis. “Quando a peguei no colo, ela deitou a cabeça no meu ombro. Foi como se dissesse: ‘Obrigada’. O olhar dela era de gratidão, impossível esquecer.”
Após exames, Lady foi diagnosticada com os tendões da pata rompidos. Passou por cirurgia, colocou pinos e enfrentou um longo processo de recuperação. “Ela sofreu muito, mas hoje é só alegria e carinho. Não tive coragem de colocá-la para adoção. Ela ficou e é minha companheira de vida.”
Superar o medo
A médica veterinária Agda Pavan explica que o trauma emocional nos animais é tão sério quanto as feridas físicas. “Muitos ficam em estado de alerta constante, fogem, se escondem, evitam contato físico. Outros, desenvolvem problemas psicossomáticos como apatia, perda de apetite, vômitos por estresse ou até dermatites por lambedura excessiva.”
A recuperação, segundo ela, exige paciência e amor. “É preciso trabalhar com enriquecimento ambiental, adestramento positivo e, nos casos mais graves, acompanhamento com veterinários comportamentalistas.” O tempo de cura varia “Filhotes se recuperam mais rápido. Mas animais mais velhos ou vítimas de maus-tratos prolongados podem levar meses ou anos para superar o medo.”
Nancy Eduarda de Mello, 44, teve sua vida transformada pela pequena Hanna. Ainda filhote, foi salva de um homem alcoolizado que a maltratava nas ruas de Valparaíso (GO). “Meu irmão viu a cena, parou o carro e pediu o cachorro para ele, então ele recusou e pediu dinheiro para entregar, ele deu 20 reais e trouxe ela pra mim.”
Felizmente, como era filhote, Hanna não apresentava problemas de saúde. A adaptação com os outros cães da casa foi um desafio, mas logo ela conquistou a todos. “Hoje ela tem uma vida maravilhosa, com cinco irmãos de quatro patas. É gratificante vê-los bem e saber que pude fazer a diferença.”
Por Gazeta do DF
Fonte Correio Braziliense
Foto: Ed Alves CB/DA Press