Crime expõe brutalidade e terror com execuções públicas de inimigos no DF

À luz do dia e na frente de testemunhas, criminosos cometem assassinatos cruéis ou crimes contra o patrimônio na tentativa de mostrar poderio e força

Mesmo com a crescente migração do crime organizado para os meios digitais, com golpes contra correntistas, consumidores e mercado financeiro, os criminosos não abandonaram as exibições de violência e poder. Em ataques brutais, os grupos agem demonstrando força, em desafio às autoridades, para amedrontar os desafetos.

As execuções, na maioria das vezes premeditadas, ocorrem em plena luz do dia, em locais públicos e, em diversos casos, sem qualquer disfarce. Em pouco mais de 100 dias, o Distrito Federal assistiu a pelo menos seis atrocidades que tiraram a vida de sete pessoas — uma delas, um adolescente de 14 anos.

Apesar da redução nas taxas de homicídios no DF, casos marcados por extrema violência intrigam os investigadores, como a morte do adolescente Samuel Soares Marques, em 6 de janeiro. Aos 14 anos, o estudante foi degolado e teve uma das mãos decepadas por membros do Comboio do Cão (CDC), facção do DF. O corpo estava em um matagal, em Samambaia Norte.

Samuel estava envolvido na vida do crime havia cerca de um ano e, segundo as investigações, a suspeita é de que ele vendia drogas em uma distribuidora de bebidas gerida pela facção e teria desviado dinheiro, criando uma espécie de “caixa 2”.

O prejuízo financeiro causado pelo menor teria motivado a execução. Dois homens foram presos pela 26ª Delegacia de Polícia, um deles confessou o homicídio. A versão apresentada pelo suspeito sugeria uma discussão prévia entre a vítima e o outro detido. Em depoimento, ele contou que interveio na briga para defender o colega e usou um facão para atacar o menor.

Os requintes de crueldade no assassinato de Samuel fogem ao modus operandi do Comboio do Cão. Fundada há mais de 15 anos na capital, a organização criminosa é conhecida pelo protagonismo em guerras por pontos de drogas. O grupo costuma resolver as desavenças de maneira cruel, com execuções a tiros, com uso de seletores de rajadas. Na morte de Samuel, o emprego de facões e degola expõe a face cruel da cúpula e parece funcionar como uma “punição” e um “recado”, tanto para membros quanto para rivais.

Código rígido

O Brasil se comoveu com a morte de dois jovens que foram barbaramente assassinados ao serem confundidos com membros de facções. Henrique Marques de Jesus, 16, e Marcos Vinícius Alves Gonçalves, 20, publicaram fotos nas redes sociais com gestos feitos com as mãos, símbolos aparentemente comuns, mas considerados indevidos por esses grupos. As vítimas foram assassinadas na Bahia e no Ceará, respectivamente.

Esses assassinatos revelam, além da brutalidade, as normas “regulamentadas” pelas organizações criminosas. Como um código rígido, o alto comando da célula determina regras que devem ser seguidas à risca. Execuções gravadas entram na lista de punições exemplares e servem como advertência interna e para a ameaça de rivais.

Em Planaltina (DF), um outro caso exemplifica essa violência. Paulo Vítor da Silva, 26, teve a morte filmada por criminosos dentro de casa, no Setor Norte, em 9 de setembro do ano passado. Depois de matar Paulo, os executores atiraram contra um vizinho, numa tentativa de queima de arquivo.

Paulo estava em uma quitinete, em um lote aglomerado com outras residências, quando foi surpreendido pelos suspeitos, que chegaram de moto. Os disparos foram ouvidos por vizinhos. Um dos moradores, de 52 anos, saiu para ver o que acontecia, momento em que foi encurralado pelos criminosos dentro de casa. O senhor trancou-se em um banheiro, mas eles arrombaram a porta e o atingiram com um tiro no peito. O homem sobreviveu.

Pouco menos de dois meses depois, Planaltina foi palco de um outro crime bárbaro. Dessa vez, marido e mulher foram alvejados com mais de 20 tiros dentro de casa em uma das áreas mais perigosas da cidade, o Bairro Nossa Senhora de Fátima. As vítimas foram identificadas como Pedro Neres de Novaes, 34, e Stefane Rayane de Sousa Nunes, 30.

Três crianças, filhas das vítimas, estavam na casa. De acordo com as investigações, os criminosos colocaram os menores em um dos quartos e executaram o casal em outro cômodo.

O delegado-adjunto da 16ª Delegacia de Polícia (Planaltina), Veluziano de Castro, analisa os episódios violentos na região. Na avaliação do investigador, são muitos os desafios nas diligências em casos como esses. “Com certeza, um dos impasses é o medo. É o temor da comunidade por saber que são criminosos perigosos e, cada vez mais, buscando se faccionar ou se aliar a gangues. Esse temor impede que testemunhas possam colaborar com a polícia, embora os crimes violentos tenham diminuído”, explica.

Demonstração de poder

Rafael Seixas Santos, doutor e mestre em direito, analisa o modus operandi dos homicídios tidos como “escancarados”. O consultor jurídico explica que execuções que ocorrem, por exemplo, à luz do dia e em meio ao aglomerado de pessoas são uma forma de demonstração de poder. “É uma tática dos criminosos para comprovar como são razoavelmente organizados e têm uma estrutura de suporte, um esquema de atribuições de funções e uma dinâmica de profissionalismo capaz de causar espécie.”

O especialista atribui ações explícitas aos criminosos de “carreira”, que são aqueles que têm a índole voltada à delinquência, por vezes como afirmação pessoal, manifestação de autoridade ou prestígio àqueles que o cercam.

Uma guerra antiga entre famílias ciganas do estado de Tocantins colocou em risco a vida de pessoas inocentes em Sobradinho 2. Nas primeiras horas da manhã de 18 de novembro, Pedro Gonçalves Guimarães Junior, 40, foi alvejado e morto dentro de uma padaria, na frente de funcionários e clientes.

Após um confronto com parentes da esposa de Pedro, o casal mudou-se para o DF. Marido e mulher receberam ameaças por parte de um primo dela e temiam pela vida. Esse mesmo primo, por sua vez, já teria executado o irmão e o sobrinho da companheira de Pedro.

As investigações levaram os policiais da 35ª Delegacia de Polícia à identificação de duas pessoas: Mizael Lopes Ferreira, 21, e Marcelo Lopes da Silva, 35, sobrinho e tio. No dia da execução, era Marcelo que estava na condução do carro utilizado no crime, um Voyage. Mizael, por sua vez, é o proprietário do veículo. A polícia segue no encalço para identificar o responsável pelos disparos contra Pedro.

Situações semelhantes, envolvendo execuções públicas como forma de supremacia, foram registradas em outra região do DF, no P Sul. No último Natal, um ataque a tiros durante uma comemoração festiva no quintal de uma casa deixou uma idosa de 61 anos morta e um homem de 41 ferido. As vítimas são Jussilene Oliveira e Roberto Miranda.

O alvo do ataque era Roberto, ex-genro de Jussilene. O homem deixou a cadeia dois dias antes para usufruir do benefício de saidão de Natal. Ele saiu de casa para participar do almoço na casa da ex-sogra, oportunidade em que veria a filha. Segundo testemunhas, Roberto era jurado de morte por um motivo desconhecido.

Enquanto os familiares estavam no quintal da casa, um homem em uma moto estacionou em frente, desceu e aproveitou-se do portão meio aberto para efetuar os disparos. Os tiros atingiram a idosa, que morreu na hora. O Correio apurou que Roberto segue internado no hospital. Ninguém foi preso.

Perigo iminente

Quadrilhas especializadas em roubos continuam a desafiar as forças de segurança, que intensificam o combate a essas organizações de atuação nacional. De maneira articulada, esses criminosos migram de outros estados para o DF em busca de novas vítimas, como é o caso da chamada Gangue do Rolex, alvo de inúmeras operações policiais.

A Coordenação de Repressão aos Crimes Patrimoniais (Corpatri) desvendou um esquema sofisticado operado por um grupo originário de Taboão da Serra (SP), que vinha para o DF para roubar relógios de luxo da marca Rolex. Na capital, contavam com apoio logístico de criminosos locais, que ofereciam hospedagem, armas, veículos e placas adulteradas.

O delegado Renato Fayão, da Divisão de Repressão a Roubos e Furtos (DRF/Corpatri), destacou que a quadrilha apresentava um potencial perigoso para a escalada da violência. “A capital foi escolhida como ponto para esses criminosos devido ao alto poder aquisitivo. Eles (autores) abordavam as vítimas nos sinaleiros e anunciavam o assalto com uso de armas de fogo. Vimos que a situação tinha o potencial para se tornar algo mais grave. Nas diligências, constatamos que os envolvidos do DF chegaram a ir a São Paulo acompanhar as vendas dos relógios”, detalhou.

Renato Fayão também está à frente da investigação de um ataque a um caminhão abastecido por drogas, orquestrado pelo Comboio do Cão. O episódio ocorreu em dezembro de 2024, em um posto de combustível de Taguatinga. Armados com fuzis, os autores trocaram tiros com vigilantes de uma escolta de segurança privada. Na ação, o vigilante Ronivon Lima foi morto, e o outro segurança sobreviveu aos disparos. Quatro pessoas foram presas: Cleomar Marcos da Silva (motorista), Francisco de Assis Bispo, Sidney Cardosa Passos e José Eraldo Dutra.

Por Darcianne Diogo do Correio Braziliense

Foto:  Kleber Sales / Reprodução Correio Braziliense