Sons que curam: a influência da música no emocional das pessoas

Aplicada em clínicas, hospitais e instituições educativas para tratar transtornos emocionais, a musicoterapia tem revelado benefícios significativos tanto para quem ouve, escreve composições ou toca algum instrumento

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A música exerce influência poderosa sobre o estado emocional, especialmente em momentos difíceis. Ela pode atuar como um canal de expressão de emoções, facilitando o alívio de tensões, o processamento de sentimentos complexos e o acesso a memórias profundas. A terapia relacionada a essa área, a musicoterapia, adapta-se a diferentes formas de expressão musical de maneira única. Tanto ouvir quanto criar e performar oferece um espaço seguro para o autoconhecimento e a conexão social, contribuindo significativamente para a recuperação e reintegração de pessoas em sofrimento psíquico. 

André Salles, médico e professor de psiquiatria da Universidade de Brasília (UnB), lidera uma pesquisa que investiga a influência da música no estímulo sensorial e na formação de conexões sinápticas (quando um neurônio se comunica com outro). Em grupo de adolescentes em depressão, Salles utilizou música clássica como estímulo, avaliando a satisfação dos participantes e monitorando a evolução dos sintomas ao longo das semanas. Este grupo foi comparado a outro que não ouvia músicas. “Os sintomas de depressão se apresentaram mais leves no grupo que ouvia músicas. Vamos aumentar o número de participantes para ter dados mais robustos”, avaliou  

As canções do One Direction desempenharam um papel crucial na vida de Victoria Lucena ao ajudá-la a lidar com o luto pela morte do pai dela. A perda ocorreu durante a infância, provocando quadros de ansiedade e as músicas da banda se tornaram um refúgio emocional, oferecendo conforto em momentos de solidão e insegurança. A canção “Story of My Life” ressoou profundamente com suas experiências, evocando memórias do pai e proporcionando um espaço seguro para processar a dor. “Não apenas me distanciou das dificuldades, mas também me ajudou a encontrar beleza e resiliência em meio à tristeza”, relata.

A presidente da Associação Psiquiátrica de Brasília (APBr), Renata Figueiredo, explica que os mecanismos neurobiológicos por trás desses efeitos envolvem importantes áreas cerebrais, como o sistema límbico e o córtex pré-frontal, responsável pelas emoções e pela regulação emocional. “A música estimula a liberação de neurotransmissores associados ao prazer e à recompensa, reduzindo a percepção de dor e aumentando a sensação de bem-estar. Além do efeito relaxante da música em momentos de ansiedade ou tensão”, ressalta.

Performance musical 

A performance está diretamente relacionada ao processo de aprendizagem musical, que abrange atividades como tocar instrumentos musicais, cantar, compor, improvisar, dentre outras. Esse processo oferece benefícios psicológicos únicos e mais intensos em comparação àqueles experimentados por indivíduos que apenas ouvem música. “A literatura científica indica que o envolvimento ativo com a música promove uma série de efeitos positivos em diversos domínios psicológicos, incluindo o bem-estar, o desenvolvimento cognitivo, a regulação emocional, o fortalecimento de habilidades sociais e a redução de problemas comportamentais”, informa a musicista e neurocientista Paula Martins Said.

O cajón, também conhecido como carron, é o instrumento tocado por Arthur Soares, 19, estudante de turismo, no grupo musical cristão Deeper, na UnB. Focado na promoção do bem-estar espiritual por meio de práticas artísticas, especialmente a música, ele aplica técnicas de musicoterapia em grupos, visando fortalecer laços sociais e promover a saúde mental entre os participantes e fugir da rotina acadêmica. 

“É um instrumento (o carron) que incentiva muito a minha autoexpressão, já que permite essa liberdade rítmica de explorar novas sonoridades e ritmos, de acordo com o que eu vou sentindo. E a música é isso, ela não te prende ao padrão que as pessoas querem que você esteja. Aqui podemos colocar em palavras e melodias a nossa dor de uma forma mais leve de ser contada, e o principal, poder exaltar o que eu acredito, que é Deus”, expressa. 

 Kauan Felipe Melo, 20, artisticamente conhecido como Zitof, foi criado em Valparaíso (GO), onde se encontrou no RAP,  gênero musical que se destacava na cidade. Hoje ele é rapper e compõe as suas próprias músicas. A prática da escrita, também tem se mostrado uma forma eficaz de terapia, de acordo com Paula Martins. A especialista indica que escrever sobre experiências emocionais pode ajudar a processar traumas e reduzir sintomas de depressão e ansiedade, além de promover o autoconhecimento, a criatividade e uma melhor clareza mental.

“Eu sempre tive dificuldade em demonstrar o que sinto. Encontrei uma forma artística de me expressar e ainda extrair algo bom disso”, lembra Zitof. O rapper acredita que suas músicas podem ressoar com os ouvintes: “A música pode salvar vidas, mostrando que sempre existe uma canção capaz de expressar sentimentos que guardamos para nós”, declara.

No Distrito Federal, a musicoterapia tem ganhado destaque em unidades de saúde, oferecendo benefícios significativos para pacientes. O Hospital da Criança de Brasília (HCB) integra o conhecimento na reabilitação multidisciplinar, atendendo crianças com transtornos do neurodesenvolvimento e doenças complexas. Instrumentos musicais são utilizados para facilitar a comunicação e promover o bem-estar dos pequenos pacientes.

Já o Hospital Cidade do Sol, em Ceilândia, introduziu a musicoterapia para criar um ambiente mais acolhedor, com músicas relaxantes que ajudam na recuperação dos internados. A iniciativa visa reduzir o estresse e melhorar a experiência hospitalar. Além dessas instituições, a Clínica Crescer, no Riacho Fundo 2, também oferece esse tratamento, focando em transtornos psiquiátricos e na reabilitação.

*Estagiária sob a supervisão de Márcia Machado

Por Fernanda Cavalcante do Correio Braziliense

Foto: Ed Alves/CB/DA.Press – Arquivo pessoal / Reprodução Correio Braziliense