Alzheimer: quando o ato de cuidar representa um risco à saúde mental

Doença é o tipo mais comum de demência no mundo, e Brasil contabiliza quase um milhão de casos; campanha Fevereiro Roxo destaca informação e tratamento adequado

0
56

“De repente há essa desorientação com o lugar onde está ou ela passa a repetir as mesmas coisas várias vezes, a fazer as mesmas perguntas, a confundir se é dia ou noite, a não saber se já almoçou.” Os sintomas podem ser desconcertantes para quem convive com uma pessoa diagnosticada com Alzheimer. Para a psicóloga Danielle Sousa, então, a provação é dobrada: tanto o pai, Daniel, de 89 anos, quanto a mãe, Maria, 73, sofrem com a doença. “A cada momento em que a doença avança, ambos exigem reorganizações”, declara.

Cada um se encontra atualmente em um estágio diferente do Alzheimer. O pai já não tem mais autonomia para se locomover ou se alimentar, e a interação com o seu redor é mínima. A mãe enfrenta os sintomas iniciais, com alterações na memória recente, na personalidade e em nas habilidades visuais e espaciais. “Há um grande desafio para aqueles que vão exercer essa relação de cuidado com os pais ou com algum membro da família, porque existem pesquisas científicas que indicam que os cuidadores primários também tendem ao adoecimento psíquico”, afirma Danielle.

Da mudança brusca de personalidade de quem conhecíamos tão bem ao esquecimento progressivo – chegando até mesmo à inversão de papéis, quando o paciente passa a acreditar que os filhos são os seus pais –, nada na doença indica ser fácil de assimilar. A própria psicóloga viu a necessidade de fazer terapia para conseguir lidar com a situação. “É preciso estabelecer situações de cuidado com o próprio cuidador, que muitas vezes tem que abrir mão de vivências pessoais. Enquanto meus pais estão adoecidos, não posso deixar de trabalhar, de educar a minha filha, de fazer um monte de coisas”, elenca.

A doença

O Alzheimer é um transtorno neurodegenerativo progressivo e fatal. Manifesta-se pela deterioração da memória e da cognição, pelo comprometimento gradual da habilidade em exercer atividades da vida diária e por uma variedade de sintomas neuropsiquiátricos que incluem alterações comportamentais. A causa ainda é desconhecida, mas acredita-se que possa ser geneticamente determinada.

A doença se instala quando o processamento de certas proteínas do sistema nervoso central começa a falhar. Surgem, então, fragmentos de proteínas mal cortadas, tóxicas, dentro e ao redor dos neurônios. Como consequência dessa toxicidade, ocorre a perda progressiva das células em certas regiões do cérebro, como no hipocampo – que controla a memória – e no córtex cerebral, essencial para a linguagem, o raciocínio, a memória, o reconhecimento de estímulos sensoriais e o pensamento abstrato.

O Ministério da Saúde aponta que, no mundo, cerca de 35,6 milhões de pessoas são diagnosticadas com Alzheimer. No Brasil, 1,7 milhão de indivíduos com 60 anos ou mais têm algum tipo de demência, e só a doença de Alzheimer corresponde a 55% desses casos (966.594), segundo dados da Associação Brasileira de Alzheimer (Abraz). O estudo realizado pela organização indica que há ainda outros 2,3 milhões de brasileiros na mesma faixa etária com algum tipo de declínio cognitivo com sintomas relacionados à memória e à cognição, mas ainda não apresentando sinais de demência. A estimativa é que até 2030 sejam 2,78 milhões e, até 2050, mais de 5,5 milhões de brasileiros com 60 anos ou mais convivendo com demência.

Lidando com o Alzheimer

Presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia na seccional DF (SBGG-DF), Marcela Pandolfi joga luz sobre a maneira como cuidadores e familiares devem interagir com quem sofre com demência em geral, sendo indispensável entender que o comportamento da pessoa não é proposital. “Se um paciente apresenta episódios de delírio, com ideações de que a esposa o está traindo, por exemplo, ou que alguém o está roubando, é importante que o cuidador não o confronte: isso pode agravar o comportamento e deixar o idoso ainda mais agitado, porque, na cabeça dele, aquilo é real”, exemplifica.

Além disso, estabelecer rotinas se configura como parte primordial do tratamento. A médica salienta a relevância de fixar horários para ações simples como acordar, tomar café, almoçar, realizar atividades físicas ou tomar banho. “Quanto mais rotina esse paciente tiver, melhor”, defende Pandolfi.

Sintomas

Queixas de esquecimento a curto prazo, sintoma mais conhecido da doença de Alzheimer, raramente vêm do próprio paciente, pois a degeneração cognitiva muitas vezes os impede de ter essa percepção.

“Os sinais de alerta passam a ficar mais preocupantes conforme se tornam recorrentes naquele paciente que vem apresentando alterações de humor, perda da iniciativa, dificuldade em executar tarefas que antes conseguia fazer de maneira independente. Quando a situação começa a afetar a independência e a autonomia do indivíduo, tem-se um sinal de que pode haver algo acontecendo”, alerta Pandolfi.

Embora não haja cura para o Alzheimer, existe tratamento disponível para retardar a evolução da doença, assim como para combater os sintomas colaterais causados pelo declínio cognitivo – como alterações do sono ou depressão. “É importante ter em mente que esse tratamento não é um tratamento curativo: com medicação ou sem medicação, a doença vai progredir. O que se pretende com os remédios é manter o paciente funcional o maior tempo possível”, afirma a médica.

Tabu

“A demência de Alzheimer é uma doença degenerativa, progressiva e sem perspectiva presente de cura. E, por ser uma notícia de difícil comunicação, acaba sendo rodeada de preconceitos e mitos”, afirma a referência técnica distrital (RTD) em geriatria e Alzheimer pela Secretaria de Saúde (SES-DF), Larissa Freitas. Ela destaca que as principais ferramentas de apoio aos familiares consistem na informação, na atenção e no acompanhamento continuados pelas equipes de saúde.

“Para que isso aconteça, é necessário conhecer o contexto social e familiar do paciente e comunicar de forma clara e compassiva quais sintomas e situações são esperados no decorrer da doença”, diz a especialista. A RTD ressalta o papel das equipes interdisciplinares na formulação de estratégias gerais e específicas para cada desafio que o paciente e os cuidadores enfrentam no dia a dia: “Eles fornecem suporte social – como a orientação quanto a benefícios previdenciários –, clínico – nas intercorrências naturais da doença – e emocional.”

O ambulatório de geriatria e gerontologia do Hospital Regional de Taguatinga (HRT) oferta semestralmente curso de capacitação e cuidado integral com a pessoa idosa. Freitas enfatiza que o suporte dado ao binômio paciente/família é realizado por meio do acompanhamento clínico de médicos generalistas e especialistas da atenção primária e secundária à saúde, além do Núcleo Regional de Atenção Domiciliar (Nrad).

O curso é ofertado duas vezes ao ano, na Policlínica Taguatinga 3 (Setor Central, QSD 12, Área Especial nº 1 – Taguatinga Centro). Uma nova turma será oferecida em março. As inscrições são realizadas presencialmente na unidade e são gratuitas. Atualmente há lista de espera para os interessados. Mais informações pelo telefone: (61) 3449-6531.

Cuidando de quem cuida

O tratamento, segundo a RTD em cuidados paliativos da SES-DF, Melissa Gebrim, deve abarcar também o cuidador. “Em geral, nas doenças neurodegenerativas, é comum que se tenha um familiar que abandonou todas as atividades laborais e de lazer para cuidar daquela pessoa. Nesse sentido, quando o paciente falece, a pessoa pode vivenciar um luto complicado, pois, por muito tempo, se viu como cuidadora. Ela precisará encontrar um novo sentido para a vida, novos objetivos”, detalha.

O Hospital de Apoio de Brasília (HAB) conta com ambulatório e ala específica para cuidados paliativos geriátricos, de modo a oferecer o auxílio necessário também aos familiares.

*Com informações da Secretaria de Saúde

Por Agência Brasília

Foto: Divulgação/Agência Saúde-DF / Reprodução Agência Brasília