Com alta de 435% nos casos, o Distrito Federal vive uma explosão de dengue — as ocorrências da doença subiram de 1.370 nas duas primeiras semanas de janeiro de 2023 para 7.329 em 2024, considerando o mesmo período. Especialistas ouvidos pela reportagem atestam que apesar da situação grave, o pior momento do vírus ainda não chegou à capital federal.
De acordo com boletins epidemiológicos divulgados pela Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF), em todo o ano de 2023, nove pessoas morreram em decorrência do vírus. Nas duas primeiras semanas deste ano, 12 óbitos são investigados pela pasta por possível relação com a dengue, enquanto duas mortes foram confirmadas. Dos casos registrados, um foi de uma criança da faixa etária de 5 a 9 anos, outro de um idoso, entre 70 e 79.
Para o infectologista Julival Ribeiro, o DF ainda não chegou ao auge de casos. O especialista acrescenta que um dos motivos para o crescimento do registro de ocorrências é o aumento exponencial de chuva. Somente na primeira semana deste ano, o índice pluviométrico na capital federal ultrapassou o que é esperado para todo mês de janeiro — diferentemente de 2023, quando não alcançou a marca prevista para o mês (206 milímetros).
“Não chegamos ao auge dos casos. Tem sido observado um padrão sazonal de incidência coincidente com o verão, devido à maior ocorrência de chuvas e aumento da temperatura nesta estação. É mais comum nos núcleos urbanos, onde é maior a quantidade de criadouros naturais ou resultantes da ação do ser humano. Devido a esses aspectos epidemiológicos, acho que teremos mais casos de dengue nas próximas semanas”, explica Julival.
Apesar dos registros superiores dos últimos anos, Julival pontua que os pacientes com suspeita de dengue são aqueles com febre por até sete dias, somada a outros sintomas. Nesses casos, o recomendável é procurar um hospital e buscar apoio. “A dengue vem acompanhada de febre, e de pelo menos dois sinais e sintomas inespecíficos (cefaleia, prostração, dor retro-orbitária, exantema, mialgias, artralgias). Como a dengue tem uma grande variabilidade de apresentações clínicas, são muitos os diagnósticos diferenciais”, continua.
“Não há um tratamento específico. Há outras doenças que podem ser confundidas com a dengue, portanto, ao se suspeitar de que pode estar contaminado, deve-se procurar um serviço de saúde para confirmar o diagnóstico, pois pessoas com dengue podem ter uma evolução benigna na forma clássica, e grave quando se apresenta na forma hemorrágica”, completa o especialista.
Responsabilidade
O infectologista Gilberto Nogueira explica que, apesar da chuva ser um dos estopins para o avanço da dengue na capital federal, há outros motivos que corroboram com este cenário atual. Segundo o médico, o que vai definir se em determinada época do ano haverá menos ou mais casos é a maneira que o governo lida com o combate antes do período chuvoso.
“Se tivermos um ano ruim, com ações pouco efetivas no combate, o mosquito da dengue vai depositar os ovos. Os ovos irão permanecer viáveis ao longo de todo o ano, mesmo no período da seca. Quando chegar no período seguinte, de chuvas e calor, os ovos irão eclodir e as larvas irão nascer com o vírus da dengue. O que muito provavelmente explica esse número absurdo nos números foi malfeito no ano passado”, detalha o infectologista.
Gilberto concorda que o cenário previsto para 2024 é o de quebra de recordes dos casos do vírus. Isso porque o pico da dengue ocorre entre abril e maio. Ele também chama atenção para o retorno do subtipo 2 da doença. “O que estamos vivendo é consequência do ano anterior. Brasília tem uma característica diferente de outras unidades: o pico de casos ocorre entre abril e maio. O que significa dizer é que temos uma perspectiva de mais de 80 mil casos até o fim deste ano.”
“Notamos o retorno do subtipo 2 da dengue. A última vez que tivemos registro dele foi em 2019, onde 75% dos casos foram registrados. Temos tudo para ter uma explosão de casos”, diz. “O que podemos fazer para evitar esse cenário é a proteção individual, usando repelentes, telas e mosquiteiros. São medidas essenciais, além de evitar água parada nos espaços públicos e privados. São ações da população e do próprio Poder Público”, completa o especialista.
Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB) Rodrigo Gurgel Gonçalves avalia que devido à intensidade das chuvas, surgem mais criadouros e, consequentemente, mais mosquitos. O docente crê que é cedo afirmar sobre o pior momento da dengue na capital, mas sinalizou que a quantidade de pessoas contaminadas que circulam nas ruas serve de fonte de infecção para os mosquitos.
“Existem dois fatores que explicam o aumento dos casos: o primeiro é o aumento dos mosquitos por conta das chuvas. Para controlar essa situação precisamos eliminar todo criadouro encontrado. O governo deve colocar os agentes de vigilância nas ruas e a população deve acabar com criadouros nas suas casas”, explica.
“O segundo é a quantidade de pessoas infectadas que estão circulando nas ruas. Isso serve de fonte de infecção para os mosquitos. É importante que as pessoas com o vírus da dengue fiquem em casa e não saiam às ruas para não infectar mais mosquitos”, finaliza.
Infecção
O aumento da dengue atinge quase todo o Distrito Federal, mas algumas regiões administrativas chamam a atenção pela explosão de ocorrências. Ceilândia apresentou o maior número de casos prováveis (1.855), seguida de Samambaia (521) e Sol Nascente/Pôr do Sol (496). Morador de Ceilândia, o grafiteiro Flávio Mendes contraiu dengue no início deste ano. Foi a primeira vez que pegou o vírus.
“O mosquito me derrubou e espero que tenha sido a última vez. A dengue é algo seríssimo e deixa muita gente ruim de saúde. Em casos que podem ocorrer com idosos, então, vem com muita agressividade”, disse. “O sistema de saúde (pública) é complicado. Os profissionais estão sobrecarregados e para evitar que tenhamos que passar por isso, nós, e pessoas que conhecemos, estamos nos cuidando para valer. Mas, mesmo assim, estamos pegando o vírus da dengue. É complicado”, desabafa.
O motorista Marcelo Barbosa, 48, também foi contaminado pela primeira vez. Morador de Ceilândia, ele cobra mais eficácias nas ações de prevenção tenham. “Parece que o combate à dengue foi deixado em segundo plano. E, agora, precisamos remediar para ficar bem e não ter risco de morrer. Sai caro e a população que sofre e paga a conta.”
“O simples cuidado com o fumacê — veículo que borrifa inseticida no ar para matar o mosquito transmissor da dengue — na hora certa, que somente agora estão fazendo, evitaria esse surto. Foi a primeira vez que tive dengue e espero que seja a última. Infelizmente, eu nunca vi tantos casos assim da doença, pelo menos nos últimos 10 anos”, relata Marcelo.
Por Pablo Giovanni, Mila Ferreira do Correio Braziliense
Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press / Reprodução Correio Braziliense