O Brasil avançou na escolaridade geral da população, porém as desigualdades raciais persistem. Os dados apontam um fato ainda mais grave: mesmo depois de uma década, os negros (pretos e pardos) não alcançam os mesmos patamares de escolaridade dos brancos na maioria dos indicadores, ou seja, há um abismo de mais de uma década entre a população negra e a branca. A constatação está no levantamento inédito realizado pelo Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais (Cedra) que analisou e cruzou dados da PNAD Contínua e do Censo da Escolar de 2012 a 2019. Foram produzidos cerca de 70 dados inéditos sobre escolaridade com recorte de cor/raça, desde a educação infantil até o ensino superior.

Houve avanço na escolaridade tanto entre pessoas negras como brancas e uma redução da diferença entre as taxas de pessoas negras e brancas sem instrução ou com fundamental incompleto, com idade acima de 15 anos, de 13,6 pontos percentuais em 2012 para 10,9 em 2019. A desigualdade entre homens negros e brancos, acima de 15 anos sem instrução ou com fundamental incompleto, diminuiu de 14,9 pontos percentuais (p.p.) para 12,4 p.p. entre 2012 e 2019. No entanto, a taxa de homens negros que não completaram o ensino fundamental em 2019 era de 40%, ou seja, ainda maior que a dos brancos em 2012 que era de 33,9%.

Em relação às mulheres, apesar da redução na desigualdade entre negras e brancas, acima de 15 anos e sem instrução ou com ensino fundamental incompleto, o atraso educacional não foi corrigido. Em 2012, as taxas foram de 44,7% para mulheres negras e 32,4% para brancas. Em 2019, esses números mudaram para 35,4% para negras e 26,2% para brancas. Apesar da diminuição da diferença entre brancas e negras, a igualdade não foi alcançada.

A distorção idade-série, ou seja, um atraso de dois anos ou mais, entre os estudantes negros no ensino médio era 36% e entre brancos era 19%, em média, entre 2012 e 2019. A proporção de estudantes negros no Educação de Jovens e Adultos (EJA) era de 28 para cada 10 alunos brancos, em 2019. A proporção é muito maior que no ensino médio e fundamental, ou seja, muito mais que os brancos, os negros abandonam ou não conseguem concluir o ensino regular na idade certa e tentam concluir a educação básica no EJA.

A distância entre os estudantes negros e brancos têm início nos anos iniciais do ensino fundamental e se amplia ao longo de toda a trajetória educacional. Neste estudo, o Cedra criou a variável de escolas predominantemente negras (com 60% ou mais de alunos pretos e pardos) e predominantemente brancas (60% ou mais de alunos brancos). O estudo dessa variável original mostra a desigualdade de atendimento educacional entre negros e brancos.

Nas escolas predominantemente brancas, a adequação da formação de seus docentes (com licenciatura e ministrando disciplina compatível) é o dobro daquela das escolas predominantemente brancas. Isso significa que de forma geral, os alunos brancos têm professores muito mais adequados que os negros. Por outro lado, não há escolas predominantemente negras entre as escolas com alunos de nível socioeconômico mais alto. E não há escolas predominantemente brancas com alunos de nível socioeconômico mais baixo, conforme critério do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (Inep/MEC). Logo, há um apartheid econômico-racial que reproduz desigualdades econômicas e raciais combinadas.

As desigualdades raciais na educação são resultado de uma série de desigualdades que se acumulam na vida das pessoas negras em um país marcado pelo racismo estrutural e sistêmico. Este cenário de profunda vulnerabilidade e distribuição desigual de cidadania e dos direitos em que vive a maioria da população brasileira está enraizado na escravidão e na reprodução da discriminação e do racismo, que foi combinada no final da escravatura com a política de branqueamento. A memória da exclusão dos negros é fundamental.

Os dados e evidências das desigualdades raciais no Brasil servem à sociedade brasileira para a proposição estratégica para um projeto de nação. É imprescindível e urgente regenerar nossa sociedade, curar nossas feridas profundas e rever nosso fundamento republicano para vislumbrar um país desenvolvido, solidário e com maior equidade econômica, racial e de gênero.

*Marcelo Henrique Romano Tragtenberg, professor do Departamento de Física da UFSC, é integrante do Conselho Deliberativo do Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais (Cedra)

Por Marcelo Henrique Romano Tragtenberg – Opinião

Foto: Arquivo pessoal / Reprodução Correio Braziliense