Há duas razões pelas quais o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, precisa que o mundo acredite em suas afirmações inflexíveis de que o programa nuclear iraniano foi destruído.
Primeiro, toda a sua presidência está estruturada para refletir a glória de sua própria persona de homem forte, alimentando uma narrativa de liderança corajosa, única e infalível.
Informações que contradigam esse mito não são bem-vindas.
Segundo, qualquer evidência de que o Irã mantém a capacidade de fabricar armas nucleares ou de reiniciar seu programa após os bombardeios americanos levantaria uma questão incômoda: os Estados Unidos deveriam usar a ação militar novamente para tentar concluir o trabalho e responder a quaisquer avanços futuros nas capacidades do Irã com mais ataques?
Isso potencialmente abriria um período de quase guerra com o Irã, com duração de anos, para o qual Trump não tem apetite; aumentaria os riscos de um conflito mais amplo; e irritaria sua base política.
Trump e seus principais assessores estão provocando indignação exagerada e criticando a mídia por divulgar uma avaliação inicial de “baixa confiança” da Agência de Inteligência de Defesa (DIA, na sigla em inglês), de que os ataques dos EUA a três instalações do Irã não conseguiram destruir os principais componentes do programa nuclear e provavelmente só o atrasaram em meses.
O presidente redobrou seus esforços em uma entrevista coletiva na cúpula da Otan para retratar o ataque como “muito, muito bem-sucedido”. Ele acrescentou: “Foi chamado de obliteração. Nenhum outro exército na Terra poderia ter feito isso”.
A Casa Branca destacou uma avaliação do chefe do Estado-Maior Militar de Israel, na quarta-feira (25), de que o programa nuclear iraniano sofreu danos “sistêmicos” e atrasou anos, e o diretor da CIA, John Ratcliffe, afirmou em um comunicado que a agência tinha evidências de que o programa havia sido “severamente prejudicado”.
Mas essas declarações, embora sugiram que o Irã sofreu um duro golpe, ainda não corroboram totalmente as amplas alegações de Trump.
As táticas do presidente eram familiares. Ele está globalizando sua estratégia de criar suas próprias narrativas, independentemente de haver ou não evidências para comprová-las.
O líder americano mostrou o quão bem-sucedido isso poderia ser com suas falsas alegações de fraude eleitoral em 2020.
Se o mundo acredita que o programa nuclear iraniano foi destruído e todas as fontes que sugerem o contrário estão desacreditadas, Trump tem uma justificativa para não tomar nenhuma ação adicional.
Por que as primeiras voltas da vitória de Trump são prejudiciais
Tudo o que envolve inteligência é, por definição, opaco. E julgamentos duradouros, de fontes técnicas ou humanas, sobre o quanto os EUA atrasaram o programa nuclear iraniano podem levar meses.
Também não é possível saber se o governo possui mais informações sobre as consequências dos ataques que não esteja divulgando por razões operacionais.
Uma resposta inicial mais criteriosa da Casa Branca aos ataques poderia ter evitado a controvérsia atual.
Mas sua interpretação frenética era inevitável, já que Trump declarou, enquanto os bombardeiros B-2 ainda estavam no ar, que a missão de sábado (21) foi um sucesso total e esmagador.
Qualquer evidência contrária significaria uma reviravolta constrangedora e desafiaria seu ego e credibilidade.
Mas a resposta hiperemocional ao questionamento honesto sobre se o programa nuclear iraniano foi realmente eliminado faz com que a Casa Branca pareça defensiva, levantando dúvidas sobre sua veracidade.
E desvia a atenção de aspectos da missão pelos quais Trump pode reivindicar o crédito — um bombardeio impecável ao redor do mundo sem baixas americanas e sua pressão efetiva sobre Israel e o Irã para que parassem de lutar, bem como seu sucesso em não ser arrastado para uma guerra mais longa.
A crescente controvérsia sobre o Irã também ofuscou uma conquista inegável de Trump na cúpula na Holanda, ao obter o compromisso dos Estados-membros de gastar 5% do PIB em defesa até 2035.
A meta será difícil de atingir. Mas nenhum outro presidente chegou perto de alcançar algo semelhante.
A Casa Branca só tem a si mesma para culpar
A incapacidade de explicar adequadamente por que o governo Trump passou subitamente a acreditar que o Irã estava a semanas de construir uma arma nuclear gerou suspeitas sobre seus motivos.
A incapacidade de informar alguns democratas de alto escalão de que a missão de bombardeio B-2 estava em andamento politizou desnecessariamente uma questão sobre a qual Trump poderia esperar apoio substancial de ambos os lados.
Os chefes de inteligência de Trump se apressaram em reforçar suas alegações na quarta-feira.
A declaração de Ratcliffe afirmou que a CIA havia obtido “um conjunto de evidências confiáveis” de que o programa nuclear do Irã havia sido “severamente danificado”.
Isso incluía informações de uma “fonte/método confiável de que várias instalações nucleares iranianas importantes foram destruídas e teriam que ser reconstruídas ao longo dos anos”, disse Ratcliffe.
Seus comentários, no entanto, ficaram aquém das alegações de Trump sobre a destruição.
A diretora de Inteligência Nacional, Tulsi Gabbard, publicou no X que “novas informações de inteligência” mostraram que as instalações nucleares do Irã haviam sido “destruídas”.
Nenhuma das respostas ofereceu evidências que permitissem que as pessoas tirem as próprias conclusões.
Não contribuiu em nada para sustentar a alegação de Trump em Haia, na quarta-feira, de que o Irã não havia transferido nenhum de seus estoques de urânio enriquecido antes dos ataques.
Tampouco abordou se o Irã mantém instalações secretas que poderiam ser usadas para construir uma bomba.
A administração parece estar tentando obscurecer questões difíceis
Ao contrário do que Hegseth alegou, não é antipatriótico divulgar informações confirmadas por funcionários do governo que questionam a extensão dos danos ao programa nuclear iraniano.
E ninguém está atacando os pilotos dos bombardeiros B-2 que realizaram a perigosa missão de várias horas.
O tom da cobertura da mídia sobre seus esforços tem sido marcado por admiração, e não por críticas.
A questão é se as bombas destruidoras de bunkers, usadas em ação pela primeira vez, realmente penetraram a instalação nuclear de Fordow, enterrada sob centenas de metros de rocha e cimento, e destruíram centrífugas que giram urânio.
E se Trump está realmente cumprindo seus deveres como presidente se ignorar qualquer evidência de que os objetivos não foram totalmente alcançados.
A reação desenfreada do governo ao relatório preliminar e pouco confiável de inteligência do Pentágono cria outra possibilidade perigosa: a de que ele esteja pressionando a comunidade de inteligência a adaptar a inteligência às suas necessidades políticas.
Essa tendência corrosiva já foi desastrosa para a segurança nacional dos EUA no passado. Tal comportamento é uma grande preocupação, com enormes implicações para a segurança nacional sob um presidente que detonou a comunidade de inteligência dos EUA e nomeou autoridades para liderá-la que compartilham suas visões politizadas.
Futuros relatórios de inteligência — que podem levar meses para serem elaborados — podem muito bem concluir que o programa nuclear do Irã foi destruído ou que está muito longe de se aproximar de uma arma.
Se não o fizerem, Trump terá um enorme problema político e diplomático.
Agora que os Estados Unidos tomaram medidas militares ao lado de Israel na tentativa de erradicar o programa nuclear iraniano, ele criou um padrão para si.
Se surgirem evidências confiáveis de que o Irã recuperou partes de seu programa, sejam centrífugas ou estoques de urânio enriquecido, como foi relatado, o presidente — ou Israel — será pressionado a tomar novas medidas para impedir isso.
A Agência Internacional de Energia Atômica (AIE) afirmou ser possível que o Irã tenha transportado urânio, que é facilmente transportável, antes dos ataques dos EUA e de Israel.
Mas Trump negou nesta quinta-feira (26) que o transporte tenha acontecido.
Futuras ações dos EUA contra o Irã poderiam criar as condições para uma guerra prolongada ou um conflito mais profundo e de baixa intensidade no Oriente Médio que Trump jurou evitar, e isso ameaçaria criar uma nova fratura em sua base política “Make America Great Again”.
Há um precedente para tais engajamentos prolongados e dispendiosos.
Após a Guerra do Golfo de 1991, a coalizão liderada pelos EUA manteve zonas de exclusão aérea no Iraque para proteger a minoria curda no norte e os xiitas no sul, e para conter as forças armadas de Saddam Hussein por mais de uma década.
O que vem a seguir para a diplomacia?
A incerteza sobre o destino do programa nuclear do Irã também pode complicar os esforços para alcançar uma solução diplomática com a República Islâmica. Trump afirmou na cúpula da Otan na quarta-feira (25) que os negociadores dos EUA e do Irã se reuniriam na próxima semana.
O enviado especial de Trump, Steve Witkoff, disse à CNBC na quarta-feira que seu chefe buscava um “acordo de paz abrangente” com o Irã que fosse além da questão nuclear.
Seria um avanço extraordinário após 45 anos de antagonismo.
Se Trump conseguisse pôr fim ao distanciamento dos EUA com a República Islâmica — talvez após romper os alicerces do poder do Líder Supremo, o aiatolá Ali Khamenei, com ação militar — ele poderia legitimamente reivindicar uma importante conquista.
“Acho que eles estão prontos; essa é a minha forte convicção”, declarou Witkoff.
No entanto, tais esperanças dependem de desenvolvimentos no opaco sistema iraniano; de forças políticas que os EUA não podem controlar; e elementos extremistas, inclusive no Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica, que têm muito a perder em termos de prestígio e poder econômico se o regime mudar ou cair.
Alguns especialistas acreditam que o Irã responderá ao ataque dos EUA e de Israel argumentando que é ainda mais imperativo desenvolver uma bomba nuclear para garantir a sobrevivência do regime.
E se Teerã rejeitar a cooperação com a AIEA e seus inspetores, poderá escapar do monitoramento externo.
Trump, no entanto, minimizou as expectativas de um acordo duradouro com o Irã na quarta-feira. “Podemos assinar um acordo. Não sei. Para mim, não acho que seja tão necessário. Quer dizer, eles tiveram uma guerra. Eles lutaram e agora estão voltando para o seu mundo. Não me importa se tenho um acordo ou não”, disse o presidente.
Ele insinuou que uma declaração do Irã de não buscar armas nucleares minaria sua própria alegação de que seu programa foi destruído.
A verdade completa pode não ser conhecida por meses.
Mas seria uma profunda ironia se, 20 anos após uma guerra provocada por informações de inteligência selecionadas a dedo sobre um programa de armas de destruição em massa que não existia, outra Casa Branca manipulasse informações de inteligência para deturpar um programa iraniano que estava ativo.
Por Gazeta do DF
Fonte CNN Brasil
Foto: CNN Brasil