No dia 20 de novembro, data que celebra pela primeira vez o Dia da Consciência Negra como feriado nacional, lideranças negras ganham espaço para falar do próprio destaque no mercado de trabalho, reafirmando a importância da luta contra o racismo e o fortalecimento da representatividade.
Uma das histórias que merecem ser mencionadas é da Gerente da Central de Atendimento ao Cliente da Bancorbrás Turismo, Nayara Gabriela, de 35 anos. Ela trabalha a 13 anos na empresa, em 5 anos de trabalho ela passou por um processo seletivo para supervisão e depois de 3 anos foi aprovada no processo de coordenação se tornando a coordenadora e líder de líderes da sua área. Questionada pelos desafios enfrentados sendo líder a gerente destaca a questão do gênero no cargo de poder. “Acredito que o desafio começa pelo fato de ser mulher, depois negra, e, por fim, ocupar um cargo de liderança. São três barreiras acumuladas que precisam ser superadas ao mesmo tempo”, reflete Nayara.
“É extremamente desafiador, pois, embora ao longo dos anos eu tenha notado um aumento na inserção de pessoas negras no ambiente de trabalho, ainda somos a minoria”, explica a gerente. Na empresa que trabalha, Nayara conta que existe um Comitê de Diversidade e também são ministrados palestras, seminários que tratam de diversos temas a respeito. “Aqui na empresa eu vejo esse cuidado, mas olhando o cenário do mercado de trabalho como um todo já presenciei situações em três entrevistas de emprego já evidenciou que não termos tantas mulheres negras como líderes. E também que após as entrevistas, recebi vários depoimentos de pessoas relatando a dificuldade que possuem em se inserir em bons cargos no mercado, devido ao fato de ser Negra(o)”.
Para Nayara Gabriela e para todos que apoiam a luta anti racista, o Dia da Consciência Negra se tornar um feriado é um grande avanço, pois reflete a luta secular por igualdade racial. “Contudo, a batalha está longe de terminar. Tornar essa data um feriado demonstra que seguimos unidos, trilhando o mesmo caminho e compartilhando o mesmo objetivo: combater a desigualdade racial. Imagino um futuro em que essa temática não precise ser constantemente evidenciada, mas apenas lembrada. Um tempo em que a discussão sobre igualdade não seja mais necessária, porque as oportunidades serão definidas pelas competências de cada indivíduo, e não pela cor da pele”, destaca a gerente.
Douglas Silveira, chefe da assessoria de comunicação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF), compartilhou sua trajetória profissional e refletiu sobre as dificuldades e desafios enfrentados por profissionais negros no mercado de trabalho. Ele começou destacando a necessidade constante de se capacitar e de estar à frente das exigências da área de comunicação. “Eu sempre procurei estar na vanguarda do mercado, entendendo as dificuldades que ele apresenta para profissionais negros. A gente não pode simplesmente ser bom; precisamos ser os melhores em tudo. Essa cobrança é muito cruel.”
Douglas relembrou sua experiência pessoal, inclusive seu ano sabático em 2012, quando se dedicou ao aprendizado do inglês em Nova York. “Eu sabia que, se tivesse uma vivência fora do Brasil e aprendesse um idioma como o inglês, isso abriria mais portas. Pude economizar e me preparar para ter essa experiência. Voltei de Nova York me sentindo mais capacitado para enfrentar o mercado,” compartilhou.
Ele comentou também sobre a presença ainda limitada de pessoas negras em cargos de liderança, apontando que o avanço nessa área é insuficiente. “A participação de homens e mulheres negras em cargos de liderança ainda é muito pequena. Não posso dizer que tenha mudado significativamente desde que iniciei minha carreira. As empresas e o setor público precisam implementar mais políticas que promovam oportunidades para negros em posições de destaque.”
Ao falar sobre o feriado de 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, Douglas reforçou sua importância para a valorização da cultura negra e a luta antirracista no Brasil. “Esse feriado é um reconhecimento da luta contra o racismo e da valorização da cultura negra, que é a base da cultura brasileira. Somos todos pretos, e reconhecer isso é essencial. A luta por igualdade e pela valorização da nossa negritude não se resume a um feriado, mas é um momento para resgatar a importância das nossas origens e reforçar a consciência histórica.”
Douglas salientou ainda o papel educativo e reflexivo da data, mencionando sua relação com a resistência negra representada por Zumbi dos Palmares. “A data é uma referência à morte de Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo dos Palmares. Ela é um marco para a educação antirracista e para a conscientização dos impactos históricos que fazem do Brasil, hoje, um país racista e misógino. Precisamos combater isso. Esse feriado é uma oportunidade para refletir e buscar construir um país mais igualitário e respeitoso,” concluiu.
Pesquisa de Emprego e Desemprego
De acordo com o levantamento publicado nesta terça-feira (19), os resultados do boletim anual População Negra e o Mercado de Trabalho no DF feito pelo o Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPEDF) e o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) apresentam que em 2023, no DF, a população negra compõem a maior parte da força de trabalho na região. Os Dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED-DF) mostram que 60,8% das pessoas ocupadas se autodeclararam pretas ou pardas, confirmando o papel essencial desse grupo na sustentação da economia local.
Setores como construção civil, comércio e indústria de transformação lideram em participação de trabalhadores negros, com índices de 74,7%, 66,5% e 64,4%, respectivamente. Apesar disso, o setor de serviços continua sendo o principal espaço de atuação, absorvendo 71,5% dessa população, seguido pelo comércio e reparação (17,4%) e pela construção (6,1%). Os rendimentos médios reais da população negra também apresentaram crescimento, com aumento de 1,4% em relação ao ano anterior, atingindo R$ 3.569. Esse avanço foi significativo no setor privado, onde os salários com carteira assinada cresceram 4,3%, enquanto os sem carteira tiveram uma elevação ainda mais expressiva, de 14,8%. Esses números evidenciam avanços em inserções historicamente marcadas por desigualdades.
Francisca Lucena, diretora de Estatística e Pesquisa Socioeconômica do IPDF Codeplan, em entrevista ao Jornal de Brasilia comentou sobre os destaques do Boletim apresentado.
“Os dados analisados são referentes a 2023, com algumas comparações ao ano de 2022. De acordo com a pesquisa, em 2023, a taxa de desemprego entre a população negra se manteve estável em relação a 2022, mas ainda é superior à taxa de desemprego entre a população não negra, com uma diferença de quase cinco pontos percentuais”, explica.
Entre os pontos destacados, está o aumento no rendimento médio dos trabalhadores negros e a diminuição no tempo médio de busca por emprego, ambos considerados avanços significativos em relação a 2022. A taxa de desemprego da população negra atingiu 17,9% em 2023, um aumento em relação ao ano anterior. Essa taxa é superior à dos não negros, que ficou em 13,5%.
O boletim aponta que a população negra está mais presente em posições ocupacionais de maior vulnerabilidade, como emprego doméstico (quase 80% dos postos) e trabalho autônomo (66,8%). No entanto, o emprego no setor público ainda representa 17% das oportunidades para negros, uma área em que a presença ainda pode ser ampliada.
Francisca destaca a necessidade de melhorar as condições de acesso da população negra a cargos com melhores remunerações e direitos trabalhistas. “Quando a gente fala de trabalho doméstico, por exemplo, mais de 80% dos trabalhadores são negros. Precisamos oferecer mais oportunidades para que essa população tenha acesso a empregos com maior remuneração e direitos garantidos”, afirmou.
Ela também enfatizou a importância de políticas públicas voltadas à educação, visando tanto o acesso quanto a permanência da população negra em seus estudos. “A continuidade na trajetória educacional é essencial para que esse grupo alcance postos de trabalho mais qualificados, que, em geral, estão associados a maiores rendimentos. Esse é um desafio para as políticas públicas”, concluiu.
Fernanda Gomes, 30 anos, trabalhou por 7 anos sendo expedidora em uma empresa de serviço de entregas e atualmente está desempregada por não ter oportunidade de crescimento dentro da empresa. Ela relata que sua decisão por pedir demissão foi incentivada pela falta de oportunidades no local de trabalho. Além disso, sendo uma mulher negra ela relata que já sofreu racismo vindo da própria gestora. “Eu faço tranças afros e uma das minhas chefes me falou que o meu cabelo era muito feio daquele jeito e que não gostava. Isso é racismo, essas condutas desmotivam a gente como trabalhador”, conta. Fernanda optou por fazer um acordo de demissão para focar no seu sonho de fazer uma faculdade.
Por Jornal de Brasília
Foto: Jornal de Brasília / Reprodução Jornal de Brasília