A reitora da Universidade de Brasília (UnB), Rozana Naves, fez um balanço das ações desenvolvidas ao longo do último ano e falou ao Correio sobre as expectativas para 2026. Entre os principais destaques apontados, estão o diálogo com a comunidade acadêmica e o avanço das ações afirmativas da universidade. Destacou, também, o corte anunciado nas universidades públicas e o reforço nas políticas para a permanência estudantil.
As universidades federais devem enfrentar uma redução de R$ 488 milhões no Orçamento de 2026, após cortes do Congresso. Como esse cenário impacta a UnB?
Estamos estudando os números por ação orçamentária relativos a esse corte, que alcança todo o sistema das universidades. No ano passado, a redução não foi linear e cada universidade teve cortes em ações distintas. Ainda não temos o detalhamento, porque a lei foi aprovada recentemente e leva um tempo para entrar no sistema. Enquanto isso, temos atuado junto à Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior) e ao governo federal pela recomposição orçamentária. Neste ano, conseguimos uma suplementação para alcançar os valores do projeto de lei orçamentária de 2025, com cerca de 70% do necessário concedido no fim do ano. O que defendemos é que o orçamento das universidades tenha um regramento próprio, vinculado a percentuais do PIB, para evitar a instabilidade anual e permitir planejamento de longo prazo, essencial para a visão estratégica e o desenvolvimento das universidades.
Diante de um caso recente de racismo e da implementação das cotas trans, como a UnB tem atuado tanto na apuração desses casos quanto na construção de uma cultura institucional de acolhimento e combate às discriminações?
Todas as denúncias são apuradas por meio de processos internos, e, quando necessário, também por instâncias externas, sempre com condução sigilosa. Como instituição educacional, a universidade tem o compromisso de promover uma mudança de cultura, especialmente no enfrentamento ao racismo, ao assédio e às diversas formas de discriminação, desafio que envolve uma comunidade de cerca de 60 mil pessoas. Nesse sentido, a UnB desenvolve projetos, grupos de pesquisa e parcerias, como a iniciativa com a Secretaria de Educação Básica do MEC voltada à educação para as relações raciais. Em 2026, a universidade implantará as cotas trans, fruto de amplo debate interno e aprovação pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão, acompanhadas de ações de acolhimento em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos. No campo da docência, a UnB ampliou de 20% para 30% as cotas em concursos, incluindo negros, indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência, reforçando o avanço das políticas afirmativas para estudantes, técnicos e docentes.
A redução no preço do Restaurante Universitário era uma demanda histórica dos estudantes. Como a reitoria avalia o impacto dessa medida na permanência estudantil e na rotina do campus?
A gente considera essa uma das principais medidas de permanência. O restaurante universitário segue gratuito para estudantes em vulnerabilidade social e passou a ter uma faixa intermediária para estudantes que entram por cotas, mas não eram contemplados pela política de assistência estudantil. A revisão do preço foi motivada pela Política Nacional de Assistência Estudantil, que garante isenção até um salário mínimo. Para não deixar estudantes de um a três salários mínimos fora da política de alimentação, a universidade decidiu complementar essa faixa, que corresponde à política de cotas. Esses estudantes passam a pagar R$ 2,50 no almoço e no jantar e R$ 1,50 no café da manhã. Para os estudantes em geral, o valor subsidiado é de R$ 4,50 no almoço e no jantar e R$ 2 no café da manhã. A proposta foi aprovada no conselho de administração, construída de forma dialógica por uma comissão paritária com técnicos e estudantes, e foi a vencedora do plebiscito.
As políticas de assistência estudantil são fundamentais para a permanência dos alunos. Quais ações a UnB vem fortalecendo e ampliando nessa área?
Estamos revisitando a resolução da bolsa permanência, pois alguns critérios têm sido considerados excessivos, sobretudo para estudantes em situação de vulnerabilidade. A discussão deve avançar no início do próximo ano. Também simplificamos o sistema de confirmação dos auxílios, que passou a ser unificado. A avaliação socioeconômica está em revisão, com previsão de automatização a partir de 2026, para agilizar a identificação dos estudantes com direito a bolsa. Outra frente importante é o fortalecimento de ações de arte, cultura e esportes, com ampliação do diálogo com estudantes atletas, retomada de eventos culturais e uso de espaços externos, como a Casa da América Latina, para promover convivência e permanência estudantil.
A saúde mental dos estudantes tem sido um desafio crescente nas universidades. Quais iniciativas a UnB tem adotado para ampliar o acolhimento psicológico e o cuidado com a comunidade acadêmica?
A saúde mental segue sendo uma preocupação, e os efeitos da pandemia ainda se fazem presentes. Fortalecemos a diretoria de acompanhamento da saúde da comunidade universitária, que vem reestruturando os processos de acolhimento. Instituímos, também, o comitê de cuidado com a saúde mental, previsto na política aprovada em 2024, formando uma rede de profissionais para acolher e identificar situações que demandam atenção institucional. Mantemos o programa de apoio financeiro a estudantes em vulnerabilidade que precisam de acompanhamento psicológico externo, por meio de edital anual. Temos a convicção de que ações de arte, cultura, esporte e convivência contribuem para um ambiente mais saudável.
Como a reitoria tem dialogado com estudantes e entidades representativas para incorporar demandas da comunidade acadêmica nas decisões da gestão?
A gente instalou mesas de negociação com os três segmentos e se reúne periodicamente, quase a cada 15 dias, com a associação dos docentes, com o sindicato e com os estudantes. No caso dos estudantes, foi definido um modelo de reuniões com representantes e, em outro momento, a escolha de temas definidos na mesa anterior para ampliar a discussão com convidados indicados por eles. No gabinete, a gente constituiu uma representação para cada segmento, com uma assessora dedicada à interlocução com os estudantes, que participa como ouvinte e ajuda nas discussões sobre temas como o RU, o GT (grupo de trabalho) de festas e o GT de assédio. Para o próximo ano, a grande novidade é a consolidação do estudo sobre participação acadêmica e o lançamento do Sistema de Participação Acadêmica, para incentivar o diálogo e o sentimento de pertencimento na construção das políticas de gestão, com início previsto para 2026.
A UnB retomou a adesão ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu) após seis anos. O que motivou essa decisão e quais mudanças concretas essa retomada traz para os estudantes que ingressam na universidade?
A motivação veio de um estudo amplo, com uma série histórica de 20 anos de ingresso na UnB, considerando diferentes formas de acesso, como PAS (Programa de Avaliação Seriada), vestibular e Sisu. O levantamento permitiu identificar impactos no preenchimento de vagas, inclusive, após a saída do Sisu e durante a pandemia. Identificamos cursos que precisavam de uma nova perspectiva de ingresso e propusemos ao conselho o retorno do Sisu como processo complementar — mantendo PAS, vestibular e processos específicos — para o preenchimento de vagas não ocupadas. A expectativa é consolidar uma política de combinação de processos seletivos locais e nacionais, promovendo maior mobilidade estudantil.
Olhando para 2025, que balanço a senhora faz das principais ações da gestão e quais avanços considera mais relevantes neste ano?
De modo geral, destacaria o fortalecimento do diálogo com a comunidade acadêmica, a participação dos três segmentos na gestão e a ampliação da relação com a comunidade externa, especialmente nas áreas ambiental e tecnológica. As ações da gestão se organizaram em três eixos: defesa da democracia, com a criação do comitê de enfrentamento à desinformação e de um edital com cerca de 30 projetos; justiça socioambiental, com a atuação da UnB na criação do Instituto Nacional do Cerrado; e inteligência artificial, com avanços em infraestrutura, supercomputação e a criação do bacharelado em IA, com 60 vagas previstas para 2026. Apesar de um ano marcado por desafios, como a greve dos técnicos, houve avanços no diálogo institucional e perspectivas de maior estabilidade. Foi um ano desafiador, marcado pela mais longa greve da história da UnB no segmento dos técnicos, mas com avanços no diálogo institucional e uma boa perspectiva de assegurar estabilidade.
A criação do bacharelado em inteligência artificial marca uma aposta em áreas modernizadas. O que esse curso representa para a UnB e quais são as principais expectativas da reitoria para 2026, tanto no campo acadêmico quanto institucional?
O curso de inteligência artificial amplia o debate sobre o papel das tecnologias na sociedade a partir de uma perspectiva ética. Ao longo da história, os avanços tecnológicos sempre impuseram desafios, especialmente em relação à autoria e à produção do conhecimento, temas sensíveis na academia, onde a ciência depende da criatividade humana e da propriedade intelectual. Essa reflexão atravessa todas as áreas e nos leva a pensar sobre como fazer e compartilhar ciência com a sociedade. Além disso, a inteligência artificial pode impulsionar outros projetos da gestão, como iniciativas nas áreas de clima, saúde, humanidades e tecnologias sociais, bem como fortalecer o parque científico e tecnológico. Mesmo sendo mediada por máquinas, vejo a IA como uma oportunidade de estimular o senso de coletividade e de crescimento conjunto.
Por Gazeta do DF
Fonte Correio Braziliense
Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press















