Fim de ano, época de férias, festas e comidas deliciosas. É nesse momento que podemos comer aquele salpicão bem gostoso, decidir se as famosas uvas-passas irão no arroz ou não e comer o tradicional panetone ou, para quem não gosta das frutas cristalizadas, o chocotone. Mas, não existe nada mais frustrante do que comprar um chocotone super-recheado e perceber que, na realidade, o “super-recheio” eram apenas três grandes gotas de chocolate no meio da massa.
Apesar de não existir uma lei que defina a quantidade ideal de recheio, o fornecedor deve cumprir o que foi ofertado. Ou seja, se na caixa do panetone diz “super-recheado” ou “recheio em dobro”, é esperado que o consumidor encontre bastante recheio no seu produto. “Toda informação ou publicidade obriga o fornecedor a cumprir exatamente o que foi ofertado”, diz o especialista João Emanuel.Play Video
Letícia Marques, 23 anos, tem o costume de presentear sua família todo ano com panetones e doces e, no último Natal, não foi diferente. Ela conta que comprou três chocotones para dar ao pai e aos dois irmãos mais novos e um bem especial de pistache para a mãe. Porém, quando sua mãe partiu o presente para experimentar, teve uma surpresa desagradável. “Nós olhamos o panetone e ficamos sem reação. Minha mãe começou a rir, porque pensamos que viria bastante recheio, já que na foto ele parecia bem cheio e, quando abrimos, vimos que ele era um panetone normal, com o recheio só em alguns pontos.”
A jovem relata que, além do decepcionante panetone de pistache, os chocotones também não cumpriram muito bem o que foi prometido por meio das imagens. “Depois da decepção com o que dei para minha mãe, nós abrimos os chocotones do meu pai e dos meus irmãos. O chocolate era bem pouco também, mas com certeza não me decepcionou tanto quanto o de pistache. Eu paguei muito caro nele, sendo que não valia aquele preço”, lamenta.
Marcas
Letícia não foi a única que se frustrou com um panetone mal recheado. Luiz Roberto, 28 anos, comprou um chocotone de creme de avelã de uma marca famosa e pagou quase R$ 200 em 834g, mas se decepcionou ao cortá-lo ao meio e ver que o recheio era muito menos do que apresentava na imagem da caixa. “Na foto da embalagem, o panetone estava muito bonito, com muito chocolate dentro e uma casquinha de chocolate derretido por fora, nunca me arrependi tanto de trocar os que a gente encontra no mercado por R$ 30 por um de marca famosa.”
O advogado Luiz Werneck explica que a forma como o produto é apresentado ao consumidor pode criar uma expectativa irreal sobre como ele realmente é. Comerciais que mostram um panetone super-recheado, com chocolate transbordando ou que passa a impressão de que o produto é maior do que na realidade é, podem se enquadrar como propaganda enganosa. “Se o consumidor concluir, a partir da imagem, que o produto real terá aquele padrão e, na prática, isso não se confirmar, pode restar configurada a publicidade enganosa.”
Mesmo que os anúncios de datas festivas — como Natal e ano-novo — não tenham uma lei que aumenta o rigor das análises jurídicas, eles são tratados em conformidade com o Código de Defesa do Consumidor (CDC). “O consumidor sempre é considerado a parte mais frágil da relação. Se a imagem leva à interpretação de que o recheio é generoso e o produto não entrega o que foi sugerido, o aviso pode não ser o suficiente para tornar a propaganda regular”, afirma o especialista.
Alteração
O especialista em direito do consumidor Ícaro Ferreira explica que a propaganda enganosa não se trata de questão estética, como uma iluminação diferente que valoriza o produto, e, sim, de quando o anúncio altera a essência do item. “É como um aplicativo de namoro. Se a pessoa usa um filtro para melhorar a luz, ok. Mas se a pessoa da foto tem olhos azuis e a que aparece no encontro tem olhos castanhos, ou se a idade é completamente diferente, houve uma mentira sobre a realidade”. Ou seja, se a embalagem apresenta o chocotone “explodindo” de recheio mas, ao ser cortado, você encontra a massa seca com apenas algumas gotas do suposto recheio, isso se torna uma propaganda enganosa, de acordo como o CDC.
E, claro, os avisos de “imagens meramente ilustrativas” não servem para as empresas usarem como um passe livre para anunciarem a foto de um produto maravilhoso e venderem algo medíocre. “Usar essa frase para justificar um produto completamente diferente da foto é abusivo e não tem validade legal para retirar a culpa da empresa. A ilustração deve ser compatível com a realidade”, explica Ferreira.
Nesses casos, o consumidor é respaldado pelo CDC e tem três opções na hora de pedir seu ressarcimento. Ele pode exigir o cumprimento forçado: querer um produto igual ao da foto, trocar por um outro item de valor equivalente ou devolver o produto e receber o dinheiro de volta. “Na prática, a troca ou o reembolso são os caminhos mais comuns e rápidos”, diz Ícaro.
Além disso, as informações sobre o percentual do recheio devem ser claras. O consumidor tem o direito à informação garantido. Então, todas as informações devem estar disponíveis de forma clara, legível e em português. “O consumidor não pode precisar de uma lupa ou de uma calculadora para entender o que está comprando.”
Para comprovar que o chocotone não veio conforme o prometido, você precisa ter sua nota fiscal em mãos. Ela é essencial para evidenciar a relação de consumo. Mas ela não é a única prova que você precisa apresentar. Grave vídeos e tire fotos do produto real — de preferência logo após cortar a fatia, da caixa mostrando o produto que foi prometido e, se possível, faça um vídeo do ‘unboxing’ — abrindo a caixa e cortando o panetone, pois isso mostra que o produto não foi alterado. “Hoje em dia, o celular é a maior arma do consumidor”, reforça o especialista.
O que diz o Procon
“É importante que o consumidor se atente aos ingredientes, tamanho/peso, data de fabricação e validade do produto. Caso o fornecedor não cumpra com o que foi ofertado, conforme previsto no artigo 35 do CDC, o consumidor poderá escolher entre: exigir o cumprimento da obrigação da forma que foi ofertada, aceitar outro produto equivalente ou exigir o cancelamento do pedido com devolução integral do valor pago.”
O órgão também ressalta que, nesses casos, onde a produção em escala comercial não permite que a apresentação do produto seja tão “bonita”, também é aplicado o princípio da boa-fé objetiva, devendo haver um bom senso quanto aos limites da publicidade.
*Sob supervisão de Tharsila Prates
Dicas para não errar na escolha
- Caixa grande não é documento: Não se deixe levar pelo tamanho da embalagem. Muitas vezes, a caixa é enorme, mas o panetone “dança” lá dentro. Confira sempre o peso líquido (ex: 400g, 500g) escrito no rótulo;
- O segredo está nos ingredientes: Cuidado com termos como “sabor chocolate” ou “cobertura sabor chocolate”. Isso, geralmente, indica que o produto usa apenas aromatizantes e gordura vegetal, e não o cacau ou chocolate de verdade;
- Use a internet a seu favor: Antes de investir naquele lançamento caro, faça uma busca rápida nas redes sociais. Vídeos de “review” ou “unboxing” mostram o produto real e evitam a decepção da expectativa versus realidade;
- Guarde a nota fiscal: Nunca jogue a notinha fora antes de abrir e consumir o produto. Ela é a prova de quando e onde você comprou, essencial caso precise reclamar no SAC ou no Procon.
Fonte: Ícaro Ferreira
Multas para as empresas
Se comprovada a má-fé ou a prática sistemática de propaganda enganosa, as empresas podem passar por fiscalizações de órgãos, como o Procon e a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon). As punições podem incluir:
- Multas pesadas, calculadas com base no faturamento da empresa;
- Contrapropaganda: ser obrigada a fazer uma propaganda desmentindo a anterior;
- Apreensão dos produtos;
- Em casos extremos, pode haver até processo criminal contra os responsáveis por crime contra as relações de consumo.
Por Gazeta do DF
Fonte Correio Braziliense
Foto: Henrique Ferrera















