Conhecimento é essencial para restaurar o Cerrado, diz especialista

Em entrevista ao CB.Agro, especialista falou sobre uso de espécies nativas na recuperação de áreas de reserva legal em propriedades rurais e sobre como aproximar o conhecimento científico dos produtores

O uso de espécies nativas do Cerrado na restauração de áreas de reserva legal em propriedades rurais foi um dos temas do programa CB.Agro — parceria entre o Correio Braziliense e a TV Brasília — de ontem. Na segunda entrevista da série sobre os 50 anos da Embrapa Cerrados (Planaltina-DF), os jornalistas Carlos Alexandre de Souza e Sibele Negromonte conversaram com o pesquisador José Felipe Ribeiro, que destacou a importância de aproximar o conhecimento científico dos produtores rurais. Segundo ele, uma das ferramentas desenvolvidas com esse propósito é o Guia de Plantas do Cerrado para Recomposição da Vegetação Nativa, elaborado pela Embrapa para ajudar os profissionais que atuam na recuperação ambiental. Confira, a seguir, os principais pontos da entrevista. 

O que a ciência está fazendo para o desenvolvimento do agronegócio?

Estamos muito preocupados com uma tarefa que foi dada ao produtor rural, que é atender à legislação do Código Florestal. Levaremos isso, inclusive, para a COP30, com uma mesa de discussão. Quais são as técnicas de recomposição de vegetação nativa disponíveis para todos os biomas nacionais? Qual o tamanho do problema, quando se fala do passivo ambiental no Brasil? Queremos discutir essas questões com os interessados, que são os produtores rurais, a Confederação Nacional da Agricultura e os cientistas brasileiros de todos os biomas.

Como tem sido, na prática, o desafio de apoiar os produtores rurais no cumprimento das exigências da legislação ambiental?

Temos tentado entender qual o tamanho do problema com relação à falta de conhecimento. As informações que as pesquisas geram demoram para chegar ao produtor. Outro problema que a gente destaca é o do financiamento. Qual banco acredita que plantar espécies nativas pode dar algum retorno econômico para o produtor? Estamos trabalhando todos esses desafios, em parceria, dentro da ciência, com o Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) e com a Confederação Nacional da Agricultura para, depois, levarmos essa questão aos órgãos ambientais. O objetivo é que todo esse conhecimento seja aplicado na Lei de Proteção da Vegetação Nativa, também conhecida como Código Florestal.

Vocês fizeram um guia no qual catalogaram 344 espécies nativas do Cerrado e mostraram como plantá-las. Como é esse guia e como ele tem sido recebido pelos produtores?

O Guia de Plantas do Cerrado para Recomposição da Vegetação Nativa mostra quais são as principais estratégias de plantio e quais são as principais espécies que o produtor pode consorciar para ter sucesso na recomposição do bioma. É preciso conhecer o ecossistema, saber como ele funciona, quais são as principais espécies em cada uma dessas categorias de floresta e entender como elas se relacionam para se ter sucesso na agricultura. Sem água, o agricultor não produz. Então, é preciso entender o ciclo da água e o ciclo do carbono, que vai ser um assunto de muita discussão na COP30. Um guia como esse ajuda a fazer com que esse tipo de informação científica chegue ao consumidor

Como responder a quem acredita que os agricultores estão destruindo o meio ambiente? 

Trabalhamos para valorizar o produtor que entende a importância dessa conservação, a importância dessa manutenção das espécies nativas e do Cerrado em pé. A lei diz que o Cerrado precisa ter 20% de reserva legal. Estamos com 50% dessa reserva, ou seja, o agricultor pensa que ainda pode desmatar 30%. Mas qual o valor que esses 30% podem ter de remuneração, inclusive, por meio do pagamento de serviços ecossistêmicos? A sociedade também precisa ter esse conhecimento, porque isso pode vir por meio de algum imposto, ou talvez de uma legislação que possa remunerar esse produtor adequadamente por uma coisa que ele está fazendo e acha que é injusto. Imagine que você tem uma casa e mobiliza 20% dela para serviço em prol da sociedade. Isso pode parecer, a princípio, uma injustiça. Muitos produtores entendem dessa maneira. Estamos trabalhando para mostrar de onde vem o oxigênio que as pessoas respiram. É importante o consumidor saber que, ao comprar um quilo de tomate ou um quilo de arroz, há benefícios das boas práticas agropecuárias, além de benefícios alimentares. Essa é uma maneira de fazer com que o produtor sustentável seja reconhecido por uma atividade para além da agricultura tradicional. 

Como encontrar, catalogar e coletar as sementes nativas?

Esse é um desafio. O guia é dividido em onde essas espécies ocorrem e em que época elas são produzidas. Ele também mostra, a partir do momento em que o produtor tem as sementes, quão difícil é transformá-las em mudas e colocá-las no campo. Nessa publicação, estão disponíveis todas as características da história de vida de cada uma dessas plantas, para que quem consulte, consiga ter atitude sozinho, possa até fazer uma recomposição se ele achar melhor. Outro desafio é fazer parcerias com comunidades tradicionais, porque eles têm esse conhecimento. Temos uma rede de sementes aqui em Brasília, que trabalha nesse sentido de entender como algumas comunidades tradicionais quilombolas na região estão ajudando, porque elas conhecem essas sementes por terem convivido com essas espécies desde criança. Então, estamos trabalhando com esse conhecimento tradicional e anexando à pesquisa. No ano que vem, em julho, teremos um congresso da Sociedade Brasileira de Restauração Ecológica, onde todo esse conhecimento será trazido para um um diálogo de saberes entre o conhecimento científico e as comunidades tradicionais.

Quantas pessoas se envolveram no projeto do guia? Quanto tempo foi necessário para produzi-lo?

Não foi rápido. É um conhecimento de muito tempo, que foi organizado por seis pessoas. Além do guia, todo esse conhecimento está concentrado em uma ferramenta chamada WebAmbiente. Se você tem uma propriedade e está com o desafio de recompô-la, entre nesse site. Ele pergunta a localização, o tamanho da propriedade rural, as condições de solo, de hidrologia e as condições gerais que qualquer produtor rural sabe. Por meio de inteligência artificial, ele recomenda como fazer essa recomposição, sugerindo não só as estratégias em função do nível de degradação, mas também um PRADA (Projeto de Recuperação de Águas Degradadas). Para ter esse auxílio, basta entrar no sistema webambiente.embrapa.br ou escrever WebAmbiente em uma plataforma de busca eletrônica.

Além de usar plantas nativas para restaurar a terra que foi devastada, é possível plantá-las para lucrar?

É preciso tomar cuidado, porque a gente pode estar estimulando apenas mais uma monocultura. Nosso desafio, como ciência, dentro das reservas legais que estimulam a biodiversidade, é saber quais são as espécies companheiras do baru e do pequi, por exemplo, para que a gente possa consorciá-las e ter uma estratégia de plantio. Há também legislação para utilização de espécies exóticas. É preciso fazer com que essa convivência não seja degenerativa para espécies nativas. Quando falo de uma espécie nativa, estamos falando de praticamente 80 espécies. Toda a nossa agricultura, hoje, depende de poucas espécies. O Cerrado, por exemplo, tem 12 mil espécies nativas de vegetais. Então, a gente quer entender essa convivência harmoniosa entre as espécies.

O que a Embrapa Cerrados vai apresentar na COP30?

Em um evento desses, de duas semanas, é preciso levar o que a gente tem de melhor de conhecimento e de soluções tecnológicas. Nossa especialidade é agricultura tropical. A gente quer mostrar para o mundo o que temos de diferencial no manejo dessas espécies de grãos, com práticas que são boas para o Brasil e para o planeta. Vai ter uma estrutura dentro da Embrapa para termos discussão política, onde as coisas estão acontecendo no nível de discussão entre países. Vai ter, também, o Agrishow, onde vamos mostrar para os visitantes tudo de bom que o Brasil tem feito em agricultura tropical.

*Estagiária sob supervisão de Eduardo Pinho

Por Gazeta do DF

Fonte Correio Braziliense

Foto: Bruna Gaston CB/DA Press