A longevidadedos palcos: o teatro nos abraça

Adoro cinema e shows ao ar livre ou em grandes auditórios, mas o teatro imprime uma potência especial a cada espetáculo

Restaurei as energias no fim de semana passado. Reservei um tempo para mergulhar nas águas salgadas da piscina do clube e mais um tantinho para me dedicar a uma visita que há muito tinha ficado de fora da rotina: ao teatro. Assistir a Vera Holtz nos palcos trouxe de volta um pouco de força que há tempos não experimentava. 

Adoro cinema e shows ao ar livre ou em grandes auditórios, mas o teatro imprime uma potência especial a cada espetáculo. Já na abertura relembrei a peça Simplesmente eu, Clarice, também um monólogo, em que Beth Goulart interpreta lindamente a escritora ucraniana naturalizada brasileira. Figurino belíssimo, delicado e marcante, que replica com precisão todas as nuances da cronista em que todos nós, que seguimos o ofício, nos inspiramos de alguma forma. 

“É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer, porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo”, escreveu Clarice em Perto do Coração Selvagem, um dos inúmeros clássicos de sua obra.

Curioso que a peça interpretada por Vera neste início do mês de outubro, em Brasília, tenha tratado de um tema que se entranha nas obras de Clarice: a existência humana. É claro que a relação vem de um esforço e de uma sensação vivida por mim mesma e que o leitor talvez não consiga alcançar, ou porque não assistiu aos espetáculos, ou simplesmente porque discorda do meu ponto de vista. 

Entender o que se passa na mente do outro é, de fato, um desafio. E explicar esse fenômeno é, em parte, o objetivo da peça Ficções, estrelada por Vera Holtz. Em mais uma temporada em Brasília, a atriz trouxe seu talento para dar vida ao monólogo inspirado no livro Sapiens — Uma breve história da humanidade, do escritor israelense Yuval Noah Harari. O best-seller mergulha na capacidade do ser humano de criar ficções coletivas e Vera nos leva pela mão nessa caminhada. Narradora, personagem, cantora, espectadora. Ela passeia por um universo de interpretações que cativa e diverte. 

Cada momento ali naquela sala me tocou de alguma forma. A espera pelo início, os anúncios das regras e combinados com a produção do espetáculo, o senso de respeito por uma obra que, por ser única a cada encenação, é também viva. Senti que o teatro me convidou a visitá-lo com mais regularidade, como deveria ser com todos. Aplauso sobre aplauso, nos reinventamos e nos tornamos parte do palco que respira e atravessa séculos.

Por Gazeta do DF

Fonte Correio Braziliense

Foto: Flavia Canavarro