Casos de feminicídio no Brasil alcançam o pior índice em 2024

No ano passado, 1.492 mulheres foram vítimas: média de quatro mortes por dia. Dados do novo Anuário Brasileiro de Segurança Pública também mostram aumento em casos de estupro

O Brasil registrou, em 2024, o maior número da série histórica em casos de estupros e feminicídios. Segundo a 19ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025, material produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado ontem, foram 87.545 casos de morte de mulheres (0,9% a mais que 2023) e 1.492 notificações de violência sexual, sendo 0,7% maior em relação ao levantamento anterior.

O número de feminicídios é o maior registrado desde a criação da tipificação do crime, em 2015. Segundo o anuário, 40,3% dos homicídios de mulheres no ano passado foram por essa razão. Desse total, 63,6% eram mulheres pretas. O estudo aponta que, apesar da violência contra o gênero vitimizar todas as mulheres, há mais chances de mulheres negras serem vítimas de crimes de ódio do que mulheres brancas (35,7%), indígenas (0,6%) e amarelas (0,2%).

De acordo com o Anuário, 70,5% das vítimas eram da faixa etária de 18 a 44 anos de idade, sendo a maior parte de 35 a 39 anos. No entanto, o levantamento destaca que a morte de adolescentes entre 12 a 17 anos cresceram em 30,7% em comparação a 2023, assim como os idosos de 60 ou mais anos de idade, aumentaram 20,7%.

O feminicídio é definido como um homicídio qualificado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, seja no contexto de violência doméstica e familiar seja por menosprezo à condição de mulher. Não se trata apenas de um crime contra a vida, mas de um crime de ódio com motivação baseada em gênero.

O relatório apontou que 64,3% dos casos ocorreram dentro da própria residência da mulher, enquanto outros 21,2% ocorreram em vias públicas. O estudo revela que 60,7% dos crimes foram cometidos por companheiros, 19,1% por ex-companheiros e 11% por outros parentes.

As armas brancas são os principais instrumentos usados nos crimes de ódio: 48,4% das notificações. Armas de fogo registraram 23,6% do total. Outros 12,6% dos feminicídios ocorreram por agressão física. Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Piauí são os estados com as maiores taxas, acima da média nacional, com 2,5, 2,4 e 2,3 por 100 mil mulheres, respectivamente. A média nacional é de 1,4 para cada 100 mil mulheres.

São Paulo e Rio de Janeiro, apesar de possuírem taxas menores do que a média nacional, juntos somam 24,1% do total de feminicídios no Brasil. O Distrito Federal tem uma maior porcentagem de feminicídios em relação ao homicídio de mulheres, mas isso se deve ao protocolo que trata todos os homicídios dolosos de mulheres inicialmente como feminicídios.

Em 2024, foram registradas 3.870 tentativas de feminicídio, 19% maior em comparação com 2023. Entretanto, o registro de ameaças, 747.683, caiu 0,8%, essa queda, segundo o anuário, pode significar medo ou menos disposição das vítimas de denunciarem. O Ministério das Mulheres afirma que vem empenhando esforços para a construção e equipagem de Casas da Mulher Brasileira (CMB) e Centros de Referência da Mulher Brasileira (CRMB).

Atualmente, há 11 Casas da Mulher Brasileira em funcionamento e outras 31 unidades em fase de implementação em parceria com o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Já em relação aos Centros de Referência da Mulher Brasileira, há 13 em funcionamento e outros 11 em implementação. A pasta destaca a melhoria inovadora no Ligue 180 desde 2023, destaque para o lançamento do Painel Ligue 180, que conta com nomes, endereços e telefones de mais de 2,6 mil serviços especializados da Rede de Atendimento à Mulher.

Violência sexual

Nos casos de estupro, a maioria das vítimas eram mulheres (87,7%) e pretas (55,6%). No entanto, o Anuário destaca que a informação de raça está ausente em 30,7% dos boletins de ocorrência registrados, o que sugere que a proporção de vítimas negras pode ser ainda maior. Crianças de até 13 anos foram as mais violentadas, somando 51.677 — 61,3% do total. O número equivale a uma média de 142 por dia em 2024.

A pesquisa indica que a maioria dos registros de estupro, refere-se a casos de vulneráveis: conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém que não tem capacidade de oferecer resistência ou de consentir validamente. A faixa etária de 10 a 13 anos concentra o maior número de vítimas no país, com uma taxa de 238,1 casos para cada 100 mil habitantes.

Parentes das vítimas representam quase metade dos agressores (45,5%), sendo 20,6% deles parceiros ou ex-parceiros. Entre os casos de estupro, os dados revelam ainda um alerta sobre a idade das vítimas: 77% dos crimes foram cometidos contra menores de 14 anos.

O levantamento mostra que a maior parte dos estupros (65,7%) e estupros de vítimas (67,9%) ocorreram dentro da residência da vítima. No que se refere às vítimas com menos de 14 anos, 59% dos casos de violência foram praticados por familiares, 24% por conhecidos e 16% por desconhecidos. Entre os adolescentes, o crescimento da violência sexual foi de 6,5%, superando o aumento geral dos casos — para meninos de 0 a 13 anos, o aumento foi de 10,6%.

Em casa

Segundo o Anuário, os dados corroboram para o ambiente de violência predominantemente intrafamiliar. O estudo aponta que, nos casos cometidos contra crianças de até 13 anos, os dias de violência mais comuns são os dias úteis, levantando a hipótese de que aconteçam quando o responsável sai para trabalhar.

Roraima, Acre e Rondônia foram as maiores taxas de estupro e estupro de vulnerável por 100 mil habitantes em 2024, com 137, 112,5, 99,5, respectivamente. O primeiro liderou em 9 dos 11 crimes sexuais monitorados. A Paraíba e o Amazonas tiveram os maiores crescimentos percentuais no caso de vítimas femininas, com, respectivamente, 93% e 40,9%. A capital Boa Vista teve uma maior taxa do país — 132,7 por 100 mil habitantes — com um aumento de 36,5% nos números absolutos.

O material do Fórum Brasileiro de Segurança Pública traz que estudos indicam que o número real de vítimas de estupro no Brasil supera os registros policiais, com apenas 8,5% dos crimes sendo registrados pela polícia e 4,2% pelo sistema de saúde. Em 2024, foram registradas 5.176 vítimas de tentativa de estupro, uma queda de 3,9% em relação a 2023. Essa queda pode ser interpretada como uma menor disposição das vítimas em denunciar.

“O primeiro passo é levar informação para a sociedade para que essa violência seja percebida e as consequências na vida da criança ou do adolescente, compreendidas”, diz a diretora-executiva da Childhood Brasil, Laís Peretto.

A organização que atua para garantir a defesa dos direitos de crianças e adolescentes, com foco na prevenção e no enfrentamento da violência sexual. Peretto aponta que os maiores desafios para que as vítimas e responsáveis procurem ajuda e denunciem é o tabu que gira em torno da violência sexual contra crianças e adolescentes. “Quando essas informações não chegam pelas escolas ou pelas famílias, a curiosidade deles os leva a buscar respostas e conteúdos na internet”, observa.

* Estagiários sob a supervisão de Luana Patriolino

Por Gazeta do DF

Fonte Correio Braziliense      

Foto: pacifico