No DF, 387 adolescentes e crianças esperam um lar

Mesmo com mais pessoas na fila para adotar do que crianças e adolescentes disponíveis, existe um descompasso entre perfis desejados e reais. O Correio mostra, nesta série de reportagens, a dura espera por uma família

Apesar de o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) garantir proteção integral e estabelecer o direito de todos viverem em um ambiente seguro e respeitoso, muitas crianças ainda vivem a angústia diária e a incerteza da espera por um lar. Só no Distrito Federal, um total de 387 crianças e adolescentes aguardam para serem adotados, enquanto 541 pessoas estão na fila para adotar. Apesar de ter mais pessoas no intuito de adotar do que crianças aguardando um lar, o desencontro de perfis disponíveis e desejados acaba gerando a diferença entre os números e a frustração de ambos os lados. Segundo o painel do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, das 541 pessoas que estão na fila para adotar, 340 buscam crianças brancas e, de todos da fila, 517 querem crianças de 0 a 8 anos. Por outro lado, a maioria das crianças e adolescentes à espera tem entre 8 e 16 anos e é parda. 

É o caso de Patrícia (nome fictício), 16  anos, que vive em instituições de acolhimento desde os 6. A jovem tem uma deficiência intelectual e uma idade considerada avançada para alguns pretendentes de adoção, sonha em fazer parte de uma família. “A mãe dela é uma pessoa em situação de rua que optou por entregá-la à instituição. Ela se sente rejeitada duplamente, primeiro pela mãe biológica e segundo pelas famílias que, até o momento, optaram por não adotá-la”, detalha Rebeca Pirangy, coordenadora do Lar Infantil Chico Xavier. “A esperança não acaba, nem a dela nem a nossa, que convivemos diariamente com ela e com a frustração constante de vermos que ela não preencheu os requisitos das famílias adotantes. Ela é uma adolescente extremamente carinhosa, um perfil muito tranquilo, estudiosa, esforçada, dedicada”, completa.

Atualmente, existem 14 instituições de acolhimento institucional ou familiar em Brasília, entre esses, o programa de família acolhedora, executado pela Organização da Sociedade Civil (OSC) Aconchego e o Serviço de Acolhimento Institucional de Crianças e Adolescentes (Saica), do GDF. Além desses, também há 12 OSCs que executam o serviço de política pública em parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes). 

Ao Correio, a Sedes-DF esclareceu que não há instituições específicas para crianças e adolescentes aguardarem adoção e só se pode encaminhar para a adoção em último caso, por decisão judicial. Os recursos para essas estruturas são repassados às OSCs responsáveis, com base em planos de trabalho aprovados por edital e valores definidos por acolhido.

O número de crianças e adolescentes acolhidos em instituições de proteção no DF apresentou variação nos últimos anos, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Em 2023, foram 555 acolhimentos, número que subiu para 590 em 2024 e, até julho de 2025, estava em 387 acolhimentos. Do total de acolhidos em 2025, 60 pessoas têm mais de 16 anos. Quanto à etnia, 32,6% se declaram pardos, 21,2% pretos, 9,8% brancos e, em 36,4% dos casos, não houve informação registrada.

Especialista em política social, Erci Ribeiro destaca que a adoção é um processo que culminou por um rompimento de vínculos, em sua maioria, causado por uma situação de vulnerabilidade. “O processo de adoção é uma possibilidade de as crianças terem acesso aos direitos estabelecidos no Estatuto da Criança e do Adolescente, como o direito a um lar seguro, que garanta o desenvolvimento físico e cognitivo. No estatuto está posto que é dever do Estado, da família e da sociedade garantir essa proteção integral”, afirma. “A adoção é uma construção, em vários aspectos. “Construção de vínculos afetivos, construção social política, cultural e que faz parte de uma dinâmica histórica que foi instituída, formalizada, atualizada no estatuto”, ressalta. “A adoção promove a cultura do acolhimento, da inclusão e dos laços afetivos construídos a partir de então”, acrescenta.

Tempo de espera

O tempo de espera para uma adoção depende do perfil estipulado pelos requerentes e das crianças, adolescentes e/ou grupos de irmãos cadastrados. Erci ressalta a importância de campanhas acolhedoras e inclusivas de adoção. “A questão racial é um fator preponderante e precisa ser um mote de debate para que não seja um fator de descarte em adoções. Infelizmente, ainda há uma rejeição de crianças negras em detrimento das crianças brancas. É necessária também uma dinâmica de sensibilização relacionada à adoção de adolescentes e pré-adolescentes”, frisa. “As campanhas precisam contemplar a questão das deficiências e demais transtornos, assim como a questão LGBT. Nesse processo, é preciso um combate às intolerâncias, inclusive religiosas”.

Um exemplo é Júlia (nome fictício), que chegou a uma instituição de acolhimento do DF por meio de uma entrega voluntária. Com cardiopatia e comorbidades que exigem cuidados, ela tinha a saúde comprometida. Por conta das questões de saúde, ela enfrentou dificuldades para encontrar uma família que a adotasse.  “Hoje, aos 2 anos, ela foi acolhida por um casal e, apesar das necessidades que demanda, atualmente é feliz e amada. Foi um caso difícil, mas que teve um final feliz”, ressalta Rebeca. 

Outra história que marcou o Lar Infantil Chico Xavier foi a de cinco irmãos acolhidos após a constatação de uma situação grave de negligência e abuso no ambiente familiar. Durante o processo, foi possível reintegrar três deles com familiares: um voltou para a mãe biológica, sendo o autor de abusos contra os irmãos mais novos; outros dois foram acolhidos pela avó materna, que, no entanto, não tinha condições de cuidar de mais crianças. Por esse motivo, os dois menores restantes foram encaminhados ao cadastro de adoção.

A separação do grupo de irmãos foi uma decisão difícil, mas necessária, para garantir a segurança e o bem-estar de cada um. Os dois que ficaram disponíveis para adoção foram acolhidos por um casal habilitado, que optou por não manter contato com a família biológica, permitindo que essa escolha seja feita pelas crianças quando estiverem mais maduras. “Foi uma decisão muito dolorosa, de separar os irmãos. Mas, ao mesmo tempo, todos tiveram a oportunidade de serem inseridos em uma família”, destaca a coordenadora.

*Estagiária sob a supervisão de José Carlos Vieira

Por Gazeta do DF

Fonte Correio Braziliense      

Foto: editoria de arte