Do lado de fora do Capitólio, as nuvens escuras destoavam do clima de vitória e euforia entre os congressista republicanos. Depois de uma maratona de debates que irromperam a madrugada, o Senado dos Estados Unidos recorreu ao voto de minerva do vice-presidente americano, J.D. Vance para desempatar a votação de 50 legisladores a favor e 50 contra e aprovar o megaprojeto de lei orçamentária chamado por Donald Trump de “lei grande e bela”. Agora, o texto — que inclui fundos bilionários para a política migratória, isenções fiscais, benefícios para os ricos e cortes no seguro-saúde Medicaid — retorna à Câmara dos Representantes (ou Deputados).
Trump pretende sancionar a lei até quinta-feira, 4 de julho, Dia da Independência dos Estados Unidos. Mas, antes da sanção presidencial, o projeto de lei terá que vencer a resistência de democratas e de alguns republicanos que não concordam com os cortes sociais, além da oposição do sul-africano Elon Musk. Ex-integrante do governo, o dono da Tesla, da SpaceX e da rede social ameaçou criar um partido próprio como via alternativa a Trump. O presidente reagiu com ameaça de deportação.
“Música para meus ouvidos”, disse Trump, ao receber a notícia da aprovação pelo Senado, enquanto visitava a chamada “Alcatraz dos jacarés”, um centro de detenção de imigrantes situado em meio a uim pântano infestado dos répteis, na Flórida. Mais tarde, celebrou a vitória política parcial em extensa publicação na sua plataforma Truth Social. “Quase todos os grandes republicanos do Senado aprovaram nossa ‘lei grande e bela’. Não é mais um ‘projeto de lei da Câmara’ ou um “projeto de lei do Senado’. É de todos. (…) Os principais ganhadores serão o povo americano, que terá impostos permanentemente mais baixos, salários e renda líquida mais altos, fronteiras seguras e um exército mais forte e poderoso”, afirmou.
“Além disso, os benefícios do Medicad, Medicare e da Previdência Social não estão sendo cortados, mas fortalecidos e protegidos os democratas radicais e destrutivos, eliminando o desperdício, a fraude e os abusos desses programas”, acrescentou Trump.
Sacrifício
O panorama otimista do presidente americano contrasta com as previsões de especalistas, que antecipam uma explosão do deficit fiscal. Responsável pelas análises imparciais do impacto dos projetos de lei sobre finanças públicas, o Escritório do Orçamento do Congresso estima que a dívida aumentará em mais de US$ 3 trilhões (cerca de R$ 16,8 trilhões) em nove anos. Para tentar suavizar a dívida, o governo Trump pretende sacrificar benefícios sociais. Os cortes no seguro-saúde Medicaid deixarão 10,6 milhões de americanos sem cobertura médica e hospitalar, principalmente aqueles de baixa renda.
A nova lei orçamentária, se aprovada na Câmara, será um dos pilares para impulsionar e reforçar a política migratória de Trump, com a alocação de US$ 350 bilhões (o equivalente a R$ 1,9 trilhão) na segurança da fronteira com o Mèxico, na construção de centros de detenção e nas operações de deportação em massa de estrangeiros não documentados. Na contrapartida, o texto enviado ao Senado reduz para 1% o imposto sobre remessas financeiras ao exterior, um alívio para os imigrantes que costumam ajudar financeiramente suas famílias no países de origem.
“Hoje, os republicanos do Senado traíram o povo americano e cobriram o Senado de absoluta vergonha”, declarou Chuck Schumer, o líder da minoria democrata no Senado, ao comentar o resultado da votação na casa. Houve dissidência interna no Partido Republicano: três senadores governistas votaram contra a Casa Branca, um indicativo de que a votação na Câmara provavelmente não será tão fácil. As pesquisas mostram que o megaprojeto de Trump é muito impopular e os democratas planejam capitalizar a ira popular de olho nas eleições de meio de mandato de 2026, quando esperam recuperar o controle do Congresso.
O que é a “lei grande e bela”
Prorrogação de cortes
Assim que tomou posse no primeiro mandato, em 2017, Trump reduziu os impostos e aumentou a deducação para todos os contribuintes. A medida beneficiou os mais ricos. Com a nova lei, a dedução padrão para cidadãos em US$ 1 mil; US$ 1,5 mil para chefes de família; e US$ 2.000 para os casais, embora essa vantagem expire em três anos.
Isenções fiscais
Até o fim do governo Trump, os contrbuintes poderão deduzir a renda de gorjetas e as horas extras, além dos juros de empréstimos para a aquisição de carros produzidos nos EUA. Os idosos com 65 anos ou mais terão direito a uma dedução a mais de US$ 6 mil. A contrapartida é que a renda bruta não excede US$ 75 mil para solteiros ou US$ 150 mil para casais.
Deportações em massa
O novo orçamento prevê o repasse de US$ 45 bilhões para a ICE (polícia da Imigração), os quais serão investidos nos centros de detenção para estrangeiros ilegais. Outros US$ 14 bilhões custearão as deportações. Ao todo, US$ 50 bi serão realocados para o fortalecimento de barreiras na fronteira com o México. O governo pretende usar recursos bilionários para contratar 10 mil agentes da ICE até 2029.Ao todo, US$ 350 bilhões serão empregados na política migratória.
Cortes no seguro-saúde
Uma das disposições mais polêmicas da lei prevê cortes imensos no Medicaid, um programa federal que fornece cuidados à saúde para americanos pobres e incapacitados. Estima-se que mais de 10,6 milhões de cidadãos fiquem sem o seguro-saúde.
Alívio fiscal
O teto de dedutibilidade para impostos estaduais e municipais será mantido em US$ 40 mil, mas apenas até 2028, quando poderá baixar para US$ 10 mil.
Teto da dívida
A previsão é queo limite da dívida — a capacidade do governo federal de tomar empréstimos — aumentará em até US$ 5 trilhões. O Departamento do Tesouro acredita que ese teto seja atingido em dois meses, o que sinaliza o risco de crise econômica e recessão.
Ricos versus pobres
Os contribuintes mais ricos perceberão um aumento em suas rendas da ordem de 2,4%, enquanto os mais pobres perderão até 2,5% em seus ganhos.
Republicano cogita deportar Musk
Um dos principais críticos da chamada “lei grande e bela” da Casa Branca, o executivo Elon Musk — dono da Tesla, da SpaceX e da redes social X — voltou à rota de colisão com Donald Trump. O presidente dos Estados Unidos supreendeu ao afirmar que não descarta deportar o bilionário sul-africano. Homem mais rico do mundo, Musk foi o maior doador da campanha de Trump nas eleições de 2024 e gerenciou o recém-criado Departamento de Eficiência Governamental (DOGE). Discordâncias em relação ao orçamento federal levaram-no a abandonar o governo e a romper com o republicano, no mês passado.
Musk acusa o partido governista de abandonar os esforços para colocar os Estados Unidos na vanguarda da revolução dos veículos elétricos e da energia limpa, o que contraria os interesses financeiros do empresário. O sul-africano também defendeu a formação de um novo partido político chamado “America Party” (Partido América, em tradução livre), caso o projeto seja aprovado. Trump afirmou que o Doge poderia se concentrar nos subsídios do fundador da Tesla e da SpaceX.
“Monstro”
“Não sei. Teremos que analisar”, disse Trump a jornalistas na Casa Branca, quando questionado se consideraria deportar Musk. “Talvez tenhamos que impor o Doge sobre Elon. Sabe o que é Doge? Doge é o monstro que pode voltar e devorar o Elon”, afirmou. “Ele está muito chateado com a situação, mas, sabe de uma coisa, ele pode perder muito mais, te digo isso. Elon pode perder muito mais”, acrescentou Trump.
Na noite de segunda-feira (30/6), o titular da Casa Branca fez comentários semelhantes em sua plataforma Truth Social. “Sem subsídios, Elon provavelmente teria que fechar as portas e voltar para a África do Sul”.
Visita à “Alcatraz dos jacarés”
“Há muitos policiais em forma de jacarés (…) não é preciso pagar muito a eles”, ironizou Trump, ao visitar um centro de detenção de imigrantes erguido em uma área de pântanos infestada dos répteis na Flórida (sudeste). A construção da “Alcatraz dos jacarés” provocou indignação entre os críticos da política migratória do republicano por considerá-la desumana, e protestos de ambientalistas por ficar perto de um parque nacional. Trump, no entanto, parece ter considerado a iniciativa “fantástica”. Perguntado se a ideia é que serpentes e jacarés ataquem os migrantes em caso de fuga, ele disse: “Suponho que esse é o conceito”. “As cobras são rápidas, mas os jacarés (…). Vamos ensiná-los a escapar de um jacaré, ok? Como fugir, se escaparem da prisão. Não corram em linha reta. Corram desse jeito. E sabem o que mais? Suas chances aumentam cerca de 1%”, ironizou. A prisão, construída em meio aos pântanos do Everglades, é chamada de “Alcatraz dos jacarés”, em alusão à antiga prisão em uma ilha de São Francisco, que Trump diz querer reabrir.
Por Gazeta do DF
Fonte Correio Braziliense
Foto: Andrew Caballero-Reynolds/AFP