Não é algo raro de acontecer. Passageiros apressados acabam deixando pertences para trás depois de uma corrida por aplicativo. Por descuido, o celular escorrega do bolso, a sacola de compras fica no banco de trás, a carteira cai no tapete escuro. Nesses casos, quem deve ajudar? O motorista, a empresa do aplicativo ou o próprio passageiro, que tem que correr atrás do prejuízo? A resposta não é tão simples, mas a boa notícia é que o consumidor tem direitos garantidos por lei.
Se você esqueceu algo no carro e só percebeu logo após a corrida, a primeira ação a ser feita é tentar contato pelo próprio aplicativo. A maioria das plataformas tem uma aba específica para “itens perdidos”, que conecta o passageiro ao motorista, geralmente por telefone ou chat.
É importante agir rápido: quanto mais o tempo passa, menor a chance de encontrar o objeto. E, claro, vale sempre descrever bem o item, informar o horário da corrida e o trajeto feito. Se o motorista encontrar o objeto, muitos concordam em combinar um local para a devolução ou mesmo levar o item até o passageiro, quando possível.
Se o objeto perdido for algo de valor, como um celular ou uma carteira com dinheiro em espécie, caso o dono tiver alguma intercorrência com a empresa ou com o motorista, ele pode recorrer ao Poder Judiciário para tentar reaver o bem ou ser indenizado pelo prejuízo, explica Jésseira Vieira Barros, advogada especializada em Direito do Consumidor.
“A Justiça pode ser acionada para obrigar judicialmente a devolução do objeto, caso ele ainda esteja com o motorista, ou pedir indenização por danos materiais (no valor do item) e, conforme o caso, danos morais, especialmente se houver descaso, má-fé ou omissão por parte da plataforma ou do motorista. A ação pode ser movida contra o motorista, a empresa de aplicativo ou ambos, com base na responsabilidade objetiva prevista no Código de Defesa do Consumidor (CDC), art. 14”, pontua a advogada.
Em casos como esse, o motorista pode responder por apropriação indébita (art. 168, CP) ou apropriação de coisa achada (art. 169, II, CP), além de eventuais sanções civis. Lembrando sempre que o registro pode ser feito de forma on-line nas delegacias virtuais dos respectivos Estados.
Camila, de 28 anos, é designer gráfica e vive uma rotina corrida entre home office, academia e trabalhos como freelancer. Numa sexta-feira à noite, voltando para casa, ela desceu do carro já respondendo e-mails no celular e só se deu conta de que tinha deixado a bolsa no banco de trás quando já estava subindo no elevador. Entrou em pânico, mas agiu rápido: usou o aplicativo para falar com o motorista, e o condutor, super-atencioso, concordou em encontrá-la na estação de metrô no dia seguinte. “Ainda bem que o motorista era gente boa e me respondeu muito rápido. Mas foi um baita susto”, conta. Desde então, Camila disse que confere duas vezes o banco antes de sair do carro.
O motorista
Os motoristas também passam por situações delicadas. Às vezes, só percebem que há um item esquecido horas depois, ou até mesmo dias. Há quem se voluntarie a devolver por conta própria, mas também existem os que preferem esperar a empresa intermediar o contato.
O que é importante saber pela lei é que, se o motorista encontrar algo no carro, ele tem o dever de devolver. Isso está previsto tanto no Código Civil quanto no Código Penal, já que ter posse de algo que não é seu, sem buscar o dono, pode ser considerado crime.
Com 62 anos, Elias Roberto, que gosta de ser chamado de “Seu Elias”, roda pela cidade como motorista de aplicativo há dois anos. Ele já encontrou de tudo no banco traseiro: sacolas de mercado, brinquedos, até um buquê de flores. Certa vez, achou um celular caro e, mesmo sem o passageiro acionar pelo app, foi até a central da empresa deixar o aparelho. “É questão de caráter, né?”, diz. Apesar da boa vontade, ele admite que nem sempre é fácil: “Às vezes, a gente tenta ajudar e o passageiro nem responde. E a empresa também nem sempre facilita para ajudar a gente a conseguir esse contato de imediato com o dono”.
De acordo com a advogada trabalhista e civilista Ana Chaves de Azevedo, se o motorista não responde ou se recusa a devolver o item, o passageiro pode buscar meios legais para tentar reaver o bem. A primeira medida é formalizar uma reclamação na própria plataforma, registrando por escrito a tentativa de contato e a omissão ou recusa do motorista. Em seguida, é recomendável registrar um boletim de ocorrência, principalmente se houver indícios de má-fé ou apropriação indevida.
Com base nisso, o passageiro pode ainda recorrer ao Procon, como órgão de proteção ao consumidor, ou diretamente ao Judiciário, por meio de uma ação nos Juizados Especiais Cíveis; “Para iniciar com a ação judicial não é exigido advogado para causas de até 20 salários mínimos, prática, contudo, que não é recomendada”, pontua a advogada Ana Chaves.
A empresa
Ainda que os motoristas sejam parceiros e atuem como autônomos, as empresas que operam os aplicativos são responsáveis pelo serviço prestado. O CDC determina que o fornecedor, nesse caso a plataforma, deve garantir que o serviço funcione bem. E isso inclui oferecer suporte quando algo dá errado, como a perda de um item.
Segundo a advogada Jéssica Vieira Barros, especialista em Direito do Consumidor, o passageiro pode registrar reclamação junto ao Procon, ou por meio da plataforma oficial Consumidor.gov sempre que houver a omissão ou recusa da empresa em auxiliar a devolução do objeto. Como se trata de relação de consumo, esses órgãos públicos são ferramentas legítimas e eficazes para tentar uma solução pela via administrativa, antes de partir para medidas judiciais.
Se a empresa não oferecer meios para localizar o motorista, ou se não der nenhuma assistência ao passageiro, a advogada alerta que a plataforma pode ser responsabilizada legalmente. “Existem casos em que a Justiça já obrigou empresas a indenizar consumidores por falhas nesse tipo de suporte, e elas tiveram que pagar indenização ao dono do objeto perdido”, conta.
Como evitar
Mesmo parecendo algo simples, deixar um objeto no carro pode gerar um transtorno enorme, especialmente se for algo de valor ou de uso essencial, como documentos, ou um celular. Por isso, alguns cuidados simples podem ajudar a evitar esse tipo de problema.
Uma dica importante é criar o hábito de sempre fazer uma checagem rápida antes de sair do carro: olhar o banco, o tapete e os compartimentos próximos. Deixar bolsas e mochilas sempre no colo ou aos pés, em vez do banco ao lado, também reduz o risco de esquecimento. Outra sugestão é ativar alertas no próprio celular ou usar apps de lembrete, que podem ser configurados com algumas mensagens automáticas toda vez que uma corrida terminar.
Para os motoristas, manter um protocolo pessoal ajuda bastante: anotar o horário das corridas e, ao final de cada turno, verificar o carro por dentro pode evitar que algum objeto passe despercebido. Além disso, registrar achados com foto e relatar à plataforma imediatamente são ações que protegem o condutor de possíveis acusações injustas.
A responsabilidade não é só do passageiro. A empresa precisa garantir suporte, e o motorista deve agir com boa-fé. Recuperar um objeto esquecido pode dar trabalho, mas quando todo mundo faz sua parte, a solução vem mais rápido.
*Estagiária sob a supervisão de Márcia Machado
Por Bárbara Xavier do Correio Braziliense
Foto: Caio Gomez / Reprodução Correio Braziliense