Ocupar espaços majoritariamente dominados por homens é o denominador comum entre três mulheres que se destacam em suas respectivas áreas e contaram suas histórias ao Correio. A promotora Cláudia Tomelin, a pesquisadora Débora Diniz e a especialista em empreendedorismo feminino, Renata Malheiros construíram carreiras de sucesso em Brasília e desbravaram caminhos, inspirando muitas outras mulheres.
“Você tem uma vida de homem.” A frase foi ouvida várias vezes pela promotora de Justiça Cláudia Tomelin. Primeira mulher secretária-geral do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), Cláudia tem uma trajetória de mais de 30 anos no serviço público ocupando posições de liderança. Em um período da sua carreira, ela foi membro da Comissão do Sistema Prisional, Controle Externo da Atividade Policial e Segurança Pública do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). “Sempre quis trabalhar para mudar a realidade social”, comenta. Apesar de a questão de gênero nunca ter sido uma barreira para ela, a promotora conta que chegou a enfrentar preconceitos por ser mulher.
Titular da Promotoria de Defesa da Mulher em Situação de Violência Doméstica de São Sebastião, Cláudia também atuou no Núcleo Prisional do MPDFT. “Sendo mulher, quando se é pioneira em algo, a gente se sente mais cobrada até por nós mesmas”, compartilha. “A pressão é maior. O desafio é equilibrar a expectativa de ser excelente e a minha própria identidade no meu trabalho”, completa.
Como conselho às mulheres que desejem seguir carreira no serviço público, ou que queiram mudar de profissão depois de uma certa idade, Cláudia sugere não ter medo. “Entrei para a faculdade de direito com mais de 30 anos, passei no concurso do MPDFT com 40, sendo a mais velha da minha turma. Nem o gênero e nem a idade devem ser impeditivo para conquistar o que se quer”, ressalta.
Referência
Premiada na categoria Trajetória do 1º Prêmio Mulheres e Ciência, promovido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a professora, pesquisadora e documentarista Débora Diniz se destaca no campo das pesquisas em saúde pública e direitos reprodutivos das mulheres.
Em 2018, a carreira dela como professora do curso de Direito na Universidade de Brasília (UnB) foi pausada à força por grupos fundamentalistas que a ameaçaram de morte devido à militância dela na defesa do aborto legal. O caso foi tão grave que ela foi incluída no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos do governo federal e, atualmente, vive em outro país.
“Minha própria experiência vivida como mulher e a maneira como as minhas questões de pesquisa chegaram até mim eram indissociáveis. Não ter o recorte de gênero como marco principal em cada uma das questões que eu me dedicava era ignorar a realidade”, enfatiza. Em 2024, Débora foi mencionada entre os cientistas mais importantes do mundo, segundo o Alper-Doger (AD) Scientific Index, um sistema de classificação de cientistas e instituições de ensino superior com base no desempenho científico.
Pelo menos 10 anos da carreira acadêmica de Débora foram dedicados à luta pelos direitos reprodutivos das mulheres. Ela foi uma das protagonistas da ação judicial que levou o Supremo Tribunal Federal (STF) a decidir pela descriminalização do aborto em caso de feto anencéfalo. “Essa luta veio de uma experiência de pesquisa etnográfica, de pesquisa de campo, em um hospital de referência para as mulheres grávidas, que eram chamadas de gravidez de risco. Então, quando elas recebiam o diagnóstico de que o feto não iria sobreviver, de que ele tinha essa condição chamada anencefalia, acompanhei a peregrinação judicial que viviam essas mulheres”, relembra.
“Tenho muitas alegrias pela minha atuação na pesquisa e no campo dos direitos reprodutivos e do aborto. É uma alegria encontrar com as mulheres, entender como elas experimentam as necessidades da vida e o atravessamento com a lei”, descreve Débora. “Esse encontro não é só de pesquisa, ele é um encontro com novas gerações de pesquisadoras e de mulheres também militando. Essa pesquisa tem um horizonte de compromisso com o real muito claro. E a dificuldade é porque nós vivemos em um mundo patriarcal, em um mundo misógino, em um mundo de restrição de direitos, em que controlar os corpos das mulheres é controlar o futuro e a vida delas”, conclui.
Empreendedorismo
Questões culturais enraizadas na sociedade e que dificultam a conquista da equidade de gênero no âmbito profissional motivaram Renata Malheiros a trabalhar pela mudança social necessária para que as mulheres possam estar em pé de igualdade com os homens para buscar os seus sonhos profissionais e pessoais.
Especialista em empreendedorismo feminino, professora, filantropa e palestrante, Renata criou a Organização Não Governamental (ONG) Alumna, que oferece mentoria de carreira gratuita a jovens universitárias e mulheres que desejem passar por transição de carreira. “Eu acredito que o maior antídoto para os problemas culturais que afetam as mulheres é a criação de redes entre nós. Para isso, que criei a ONG. Das mulheres que fazem a nossa mentoria, cerca de 70% conquistam um emprego”, conta Renata.
Trabalhando com empreendedorismo feminino no Sebrae, ela relata que, aos poucos, foi percebendo que diversos fatores tornavam a trajetória no empreendedorismo mais difícil para as mulheres do que para os homens. “Preconceitos, crenças limitantes e vieses inconscientes baseados em estereótipos passam de geração para geração e vão limitando as conquistas das mulheres”, observa. “Eu trabalho para acelerar a mudança cultural necessária para que as mulheres possam estar em pé de igualdade com os homens e possam buscar os seus sonhos profissionais e pessoais”, completa.
Mesmo que a população feminina seja maior do que a masculina no Brasil, dos 30 milhões de empreendedores registrados no país, apenas 10 milhões são mulheres. “Preconceitos e falta de tempo são dois grandes desafios que as mulheres enfrentam e que os homens não costumam enfrentar no empreendedorismo”, afirma. “Mulheres empreendedoras dedicam 17% menos horas às suas empresas do que os homens empreendedores. Por outro lado, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nos mostra que as mulheres dedicam às tarefas domésticas o dobro de horas dedicadas pelos homens”, continua.
Renata crê que políticas públicas possam ajudar a tirar a sobrecarga da mulher para que a tão sonhada equidade de gênero seja conquistada no âmbito profissional. “Creches, escolas em tempo integral, restaurantes comunitários, lavanderias comunitárias, transporte de qualidade são exemplos de políticas que devem ser fortalecidas para ajudar as mulheres nesse aspecto”, sugere.
Por Mila Ferreira do Correio Braziliense
Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press / Reprodução Correio Braziliense