Confira monumentos criados que vão para além de Oscar Niemeyer

Passear pela capital do país é se deparar com traços arrojados desenhados por Oscar Niemeyer, e que inspiraram outros arquitetos

Brasília é um testemunho vivo da genialidade de Oscar Niemeyer, cujos traços arquitetônicos marcaram a essência cultural da cidade. Passear pelo Distrito Federal não é somente deparar-se com prédios, como é comum em grandes metrópoles. As curvas e linhas arrojadas de muitas edificações da capital do Brasil a transformaram em uma referência estética para o mundo. Palácios, igrejas e monumentos carregam uma identidade visual que mistura inovação e brasilidade.

No entanto, falar do arquiteto é relembrar a ousada empreitada da construção de Brasília. Ela nasceu de um projeto audacioso que buscava, além de transferir a capital federal do litoral fluminense ao interior do Centro-oeste, servir como símbolo de um novo e promissor futuro nacional. Idealizada dentro do Plano de Metas do governo de Juscelino Kubitschek, a iniciativa ainda atendia compromissos como modernidade e integração nacional. Sob a coordenação do urbanista Lucio Costa, vencedor do concurso que definiria o plano piloto a ser seguido, a obra obedeceu um traçado urbano inovador, com áreas bem definidas para moradia, trabalho e lazer, e com um forte apelo simbólico, refletindo a ideia de progresso. Niemeyer, no que coube a ele, desempenhou um papel central na materialização desse sonho.

Convidado por JK, ele foi responsável por projetar os principais edifícios de Brasília, entre eles o Palácio da Alvorada, o Palácio do Planalto, a Catedral Metropolitana e o Congresso Nacional, para citar alguns. “Poucos arquitetos tiveram, na história da humanidade, essa oportunidade, especialmente no período contemporâneo. Foi algo incomum”, destaca Cláudio José Pinheiro Villar de Queiroz, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de Brasília (UnB). Ele foi da equipe de Niemeyer durante 17 anos, e atuou em obras como a da Universidade de Mentouri, na Argélia.

Propósito e beleza

Queiroz recorda a profunda relação de Niemeyer com Lucio Costa. “Essa parceria resultou em formas que refletiam não só modernidade, mas brasilidade”, avalia. Segundo o professor, todo o trabalho do arquiteto carrega uma “razão existencial”, que a justifica e a torna marcante. Essa característica se manifesta em construções como a do Instituto Central de Ciências (ICC), da UnB, apelidado Minhocão. “Reflete as possibilidades tecnológicas do movimento moderno e a capacidade de integrar arte e funcionalidade”, explica o educador sobre esse espaço.

Na visão de Alberto de Faria, coordenador do curso de arquitetura e urbanismo do Ceub, as obras definidoras da identidade de Brasília estão concentradas na Esplanada dos Ministérios. Para ele, elas destacam a expressão formal de um artista insuperável. “Ele traz a fluidez espacial na relação entre o interior e o exterior e a interpretação modernista de elementos do estilo colonial brasileiro”, diz.

Nos passos do mestre

Especialistas reconhecem que a obra de Niemeyer é um dos pilares de capital federal. Mas, para vários deles, outros profissionais também deixaram contribuições arquitetônicas importantes.

O professor Queiroz, da FAU-UnB, pondera que outros arquitetos também deixaram sua marca na cidade. Entre os de maior evidência, em sua opinião, destaca João Filgueiras Lima, idealizador do projeto do Hospital Sarah Kubitschek. “Suas contribuições dialogam com a essência de Brasília e exploram estilos próprios e inovadores”, analisa.

Por outro lado, Alberto Faria, do ecub, destaca outros trabalhos, a seu ver, relevantes, como o Oratório do Soldado, de Milton Ramos; a Reitoria da UnB, projetada por Paulo Zimbres; o Restaurante Universitário da UnB, de José Galbinski; a sede do Sebrae, assinada por Álvaro Puntoni e Luciano Margotto; e a Embaixada da Itália, de Pier Luigi Nervi. Entre os projetos contemporâneos, Faria enaltece a Paróquia Sagrada Família, no Park Way, obra assinada por André Velloso, Éder Alencar e Luciana Saboia. “A influência de Niemeyer foi sentida como um estímulo a diversos arquitetos na busca de sua própria expressão”, afirma.

Modernidades encantadoras

Entre os traços modernistas da cidade, o RU-UnB é o preferido de Emilly Santos, de 22 anos. Ela o frequenta ao menos duas vezes na semana. “Eu gosto da Ala Quatro, onde é cheio de janelas e podemos contemplar a vista. Podemos ver tudo ao redor. É muito bom tomar café e almoçar por lá. Sempre que posso, vou lá para apreciar essa beleza”, conta.

O mesmo local encantou Isak Matias, 18: “Fiquei impressionado com a beleza da estrutura. Espero voltar em outras ocasiões para conhecê-la melhor”, comentou, deslumbrado com a arquitetura do espaço.

Preservação

Apesar de reconhecida mundialmente como Patrimônio Cultural da Humanidade, pela Unesco, Brasília enfrenta o desafio constante de conservar sua essência arquitetônica enquanto acomoda novas construções. A Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação e outros órgãos públicos desempenham papel crucial nesse equilíbrio, adotando regras claras e instrumentos como o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB).

De acordo com a pasta, o PPCUB definiu limites claros para a ocupação do solo, trouxe uma lista de imóveis com indicação de conservação individual, além de garantir que novos empreendimentos e reformas respeitem as escalas definidas no projeto original de Lucio Costa.

A Secretaria de Cultura e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), por sua vez, são responsáveis por avaliar intervenções em edificações tombadas ou em áreas de proteção. O órgão oferece assistência técnica e autoriza intervenções nessas locais, sempre que solicitado. Para orientar essas ações, o Iphan elabora inventários detalhados dos edifícios, que subsidiam decisões sobre alterações e adaptações. Entre os prédios que passaram por esse processo estão a Catedral Metropolitana, os Ministérios e Anexos, a Igrejinha Nossa Senhora de Fátima, o Memorial dos Povos Indígenas, o Memorial JK, o Palácio da Justiça e o Supremo Tribunal Federal.

A capital federal também abriga edifícios que não levam a assinatura de Oscar Niemeyer, mas se destacam na paisagem. O PPCUB inclui a listagem de obras consideradas importantes pela Secretaria de Cultura, além das tombadas. Contudo, não há um levantamento mais abrangente sobre outras construções de destaque, cabendo ao Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) e ao Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) iniciativas como a criação de selos reconhecendo projetos de relevância.

*Estagiários sob a supervisão de Manuel Martinez

Por Carlos Silva, Giovanna Sfalsin e Luis Fellype Rodrigues do Correio Braziliense

Foto: Carlos Vieira/CB Press / Reprodução Correio Braziliense