O ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, pronunciou, na manhã desta quinta-feira (21/11) e em nome do Estado brasileiro, pedido público de desculpas à população negra do país. No evento, realizado em comemoração ao Dia da Consciência Negra (20/11), também foi lançada, em parceria com o Ministério da Igualdade Racial (MRI), uma plataforma de jurisprudência que auxilia no combate ao racismo.
O pedido de desculpas se deu devido a ação civil pública ajuizada pela Fundação Educafro, instituto que atua há mais de 40 anos em prol da educação de jovens negros e pobres. Movida em 13 de maio de 2022, a ação judicial busca reparar danos causados à população afro-brasileira devido ao racismo praticado pelo Estado. No processo, foram demonstrados, a partir de estudos em áreas como história, economia e psicologia, prejuízos sofridos pelo povo negro no país ao longo dos séculos, desde a escravidão.
Com o acordo judicial, celebrado nesta quinta, a União reconhece formalmente esses prejuízos e injustiças e assume a responsabilidade histórica por eles.
No discurso de Jorge Messias, foi informado que “a parte autora (a Fundação Educafro) chama atenção para a realidade do processo de escravização de pessoas negras no Brasil, para a ausência, quando da abolição da escravidão, de políticas estruturais para inclusão social e econômica e garantia de direitos fundamentais às pessoas negras no país, bem como para as ações estatais que pioraram as condições de vida dessa mesma população nos anos subsequentes”.
Condenada a reconhecer formalmente os danos causados às pessoas afro-brasileiras, a União, na pessoa do ministro de Estado da AGU, oficializou, portanto, as desculpas de forma pública: “Venho agora, em nome do Estado brasileiro, realizar, como efetivamente realizo, pedido de desculpas pela escravização das pessoas negras, bem como de seus efeitos”, disse. “(A União) reconhece que é necessário envidar esforços para combater a discriminação racial e promover a emancipação das pessoas negras brasileiras.”
O ministro prometeu, também em nome do Estado, estabelecer contínua “adoção medidas efetivas de enfrentamento à desigualdade racial (…), inclusive para que possam ser amenizados os prejuízos causados” e potencializar a “criação de políticas públicas com essa finalidade”.
Neste sentido, o objetivo da plataforma JurisRacial, lançada no mesmo evento nesta quinta — após exato um ano desde que foi instituída, por uma portaria assinada em 21 de novembro de 2023 —, é reunir leis e decisões judiciais que abordem a temática racial, a fim de visibilizá-las e estimular o enfrentamento jurídico ao racismo.
Segundo nota do MRI publicada no dia 20, além da plataforma, ações nas áreas de segurança pública, emprego e emprego vão ser lançadas ao longo desta semana.
A Fundação Educafro acredita que este seja um passo importante no reconhecimento da dívida histórica do Estado com a população negra. “Toda sociedade, amiga da justiça, continuará acompanhando de perto os próximos passos e se empenhando na busca por reparações concretas e efetivas”, disse, em nota.
Presente no evento, a ministra dos Direitos Humanos e Cidadania, Macaé Evaristo, reforçou que a intolerância racial está por trás de diversos outros problemas das sociedades brasileira e mundial. “A gente sabe que essa memória da posição da sociedade brasileira em mais de 300 anos de escravatura, ela não acaba lá no 13 de maio (de 1888, quando foi assinada a Lei Áurea), porque o 14 de maio começa com o total abandono da população negra do país, ele começa com total ausência de políticas públicas, ele começa com a negação da nossa humanidade”, discursou. “Infelizmente ainda hoje a gente tem um Estado que é impregnado pelo patrimonialismo, pelo racismo, pelo colonialismo (…). A gente reconstruir esse Estado, a gente fazer ações que levem a essa reconstrução, não é uma tarefa simples.”
Por isso, ela agradece o ministro da AGU: “No processo de toda essa agenda, Messias, também é preciso que a gente encontre, dentro do Poder Público, pessoas e atores que estejam dispostos a não silenciar, a não negar, mas a assumir e construir mecanismos efetivos”.
Fundador da Educafro, o religioso Frei David Santos afirmou que “o melhor instrumento para conseguir o nosso direito negado pela história é (pelo) caminho jurídico, e que bom que encontramos uma equipe que tenha essa sensibilidade”.
Por fim, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, relembrou trajetória, episódios e dores do racismo compartilhadas com Marielle. “O que falta muitas vezes nessa luta antirracista é empatia e respeito”, enfatizou. “Eu agradeço aqui, Messias, não só a parceria, mas, em seu nome, todo o papel do Judiciário, porque, no ano de 2024, para além do pedido de desculpas, nós tivemos a condenação dos assassinos de minha irmã.”
“Que a gente siga, para além de se reconhecer e se conectar, a gente siga construindo um lugar melhor para mim (…) e para todas as gerações que virão também, que isso é o que é mais importante”, finalizou.
Por Lara Perpétuo e Cássia André do Correio Braziliense
Foto: Cássia André/CB/D.A. Press / Reprodução Correio Braziliense