Os coletivos negros são verdadeiros faróis de esperança e resistência, iluminando caminhos para a construção de um mundo mais justo e igualitário. No Distrito Federal, esses grupos atuam como grandes quilombos contemporâneos, onde a luta contra as desigualdades raciais ganha força e significado, transformando realidades e resgatando a ancestralidade.
Os grupos encontram-se para a troca de experiências e o fortalecimento enquanto organização. Ali, a população negra se redescobre como protagonista de sua história, resgatando memórias, superando estereótipos e construindo novas narrativas. Segundo o Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPEDF), mais da metade da população local, 57,3%, se declara negra. Nesse mosaico, as mulheres negras são a maior força, representando 28,7%, seguidas pelos homens negros (28,4%).
Um exemplo significativo é o Coletivo Mulheres Negras Baobá de Brasília, que nasceu em 2021, em pleno turbilhão da pandemia. Com braços abertos, o grupo começou a distribuir cestas básicas, máscaras, álcool em gel e roupas no Setor de Chácaras Lúcio Costa, acolhendo famílias negras em situação de vulnerabilidade.
Isabel Clavelin lembra com emoção do cenário desafiador que enfrentaram. “Durante o isolamento, vimos muitas famílias negras enfrentando fome e perdas. Descobrimos mulheres analfabetas ou semianalfabetas, que viviam da reciclagem de resíduos sólidos ou fazendo diárias. Não podíamos ficar de braços cruzados, precisávamos agir para que essas comunidades mantivessem a dignidade”, conta.
Hoje, o Baobá é um espaço de vida e transformação. Além de doar roupas, o coletivo está focado na segurança alimentar, nutricional e na dignidade menstrual das mulheres. Promovem palestras, rodas de conversa e projetos de alfabetização, com um carinho especial pelas mulheres idosas.
“Nosso propósito é mais do que ajudar, é fortalecer. O DF tem uma população negra enorme, mas muitas dessas pessoas vivem afastadas, invisibilizadas. Nós somos um grito de resistência e esperança, uma força coletiva para garantir que o povo preto viva com dignidade e exerça seus direitos humanos em sua plenitude”, enfatiza Isabel.
Educação
No Empodera, o conhecimento é a chave que abre portas para um futuro melhor. Criado em 2020, também durante a pandemia, esse coletivo acredita que a educação é a mais poderosa ferramenta de transformação social na região do Sol Nascente.
“Oferecemos cursos de idiomas, desde o inglês até o mandarim, e já alcançamos mais de 2 mil alunos, dentro e fora do Brasil”, conta o integrante Luís Coelho. Mas, a mágica não para por aí. Em parceria com outros coletivos, como Elafav e Filhos do Quilombo, eles também oferecem cursos de Hip Hop, matemática financeira e culinária.
Luís fala com brilho nos olhos sobre a palavra que guia os coletivos: aquilombar-se: “Aquilombar é se reconectar com nossas raízes, unir forças e criar um lugar de resistência. É como formar um escudo contra as dificuldades, enquanto avançamos juntos.”
Ainda assim, os desafios existem. Muitos alunos abandonam os cursos devido às dificuldades financeiras ou pela falta de tempo, já que precisam trabalhar para sobreviver. “Temos, por exemplo, um dançarino premiado internacionalmente que só conseguiu trabalho aqui no Brasil como estoquista de supermercado. Isso é desafiador, mas seguimos firmes”, reflete Luís.
Clube
Imagine um salão onde a cultura, a memória e a alegria da população negra ganham vida. Esse é o sonho que deu origem ao Clube Social Negro de Brasília, criado em 2021, inspirado nos antigos clubes negros, como o Aristocratas de São Paulo.
Heitor Perpétuo, um dos idealizadores, relembra a sensação ao assistir a um documentário sobre esses espaços. “Fiquei encantado. Vi festas incríveis, potências negras reunidas, histórias preservadas. Não fazia sentido nossa cidade não ter um lugar como esse”, explica.
Com a energia de um tambor que ecoa longe, o clube foi oficialmente fundado em 2024, na Fundação Cultural Palmares, e já reúne mais de 30 associados. Uma de suas criações mais celebradas é a Agenda Preta, que divulga eventos, palestras, festas e ações sociais da comunidade negra de Brasília.
“O clube é mais do que um lugar, é um respiro. Vivemos em uma sociedade onde nossa cor chega antes da nossa essência. Aqui, queremos criar um espaço onde podemos existir em paz, sem precisar justificar quem somos. É um lugar de pertencimento e força”, afirma Heitor.
União
A Casa Akotirene é um verdadeiro quilombo urbano em Ceilândia Norte. Ali, pulsa a resistência preta, feminina e LGBTQIA , como uma chama que mantém vivas as tradições, a luta e a força de um povo. Segundo Joice Marques, porta-voz da organização, a casa é formada por mulheres negras que decidiram transformar uma necessidade em ação. “Surgiu porque precisávamos de um espaço físico para pensar e realizar ações antirracistas e políticas, sempre em diálogo com a comunidade”, explica.
O sonho ganhou forma no início de 2019, por meio das mãos firmes e criativas das mulheres negras das Afromanas. Essas mulheres perceberam que era urgente criar um local onde pudessem não apenas resistir, mas também construir e celebrar suas histórias e identidades. Assim nasceu a Casa Akotirene, um espaço que vai além das paredes: é um território de pertencimento, um ponto de encontro para a construção de narrativas afro-brasileiras e o fortalecimento da identidade cultural.
Na Casa Akotirene, o saber é compartilhado de forma viva e pulsante. Ali, os sons da percussão ecoam nos cursos de música, enquanto tesouras e linhas ganham vida nas aulas de costura. As crianças aprendem informática e os jovens descobrem um futuro promissor nos cursos de barbearia. É um espaço onde cultura e educação caminham juntas, fortalecendo laços e inspirando sonhos.
Hoje, mais de 100 famílias estão cadastradas na casa, e nove turmas de estudantes ocupam os períodos da manhã e da tarde. Cada canto do espaço é preenchido por vozes que celebram a resistência e a ancestralidade.
“Somos uma comunidade ativa, especialmente em Ceilândia e no Sol Nascente. A partir desses espaços, celebramos nossa história, nossa identidade e nossa riquíssima cultura. A criação de lugares como a Casa Akotirene é uma forma de nos aquilombar, de nos empoderar e garantir que a nossa voz continue ecoando. É indispensável”, defende Joice.
Por Mariana Saraiva do Correio Braziliense
Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press / Reprodução Correio Braziliense