Horta gigante alimenta 800 famílias em favela no Rio

É a celebrada horta de Manguinhos, favela na zona norte do Rio de Janeiro que fica ao lado da fábrica de Bio-Manguinhos, onde a Fiocruz produz uma das vacinas contra a Covid-19 que estão sendo distribuídas pelo país

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2004

Ezequiel Dias, 44, coloca meia dúzia de trouxinhas de coentro, maços de cebolinha e outros temperos no carrinho de mão e sai pelas vielas de Manguinhos anunciando a promoção. É grátis, um oferecimento da enorme horta comunitária que corta parte do bairro.

A longa faixa verde encravada no mar de casas cinzas ocupa um território equivalente a quatro campos oficiais de futebol, rendendo 2 toneladas de comida por mês e o título de maior plantação urbana desse tipo da América Latina.
No último ano, quase tudo que sai dali tem ido para as cozinhas da comunidade, complementando as refeições de cerca de 800 famílias que atravessam a onda de desemprego gerada pela pandemia.

É a celebrada horta de Manguinhos, favela na zona norte do Rio de Janeiro que fica ao lado da fábrica de Bio-Manguinhos, onde a Fiocruz produz uma das vacinas contra a Covid-19 que estão sendo distribuídas pelo país.
Foi no quintal da fundação que Ezequiel aprendeu a ser jardineiro. Trabalhou ali por 15 anos antes de ficar desempregado por outros cinco. Agora, coordena a plantação comunitária. “Tem pessoas que não estão tendo de onde tirar [dinheiro]. Tem senhora que nem pede; vem e já começa a colher um coentro para botar numa sopa. A gente está aqui para abraçar a nossa comunidade, que é nossa família”, diz ele.

Antes, o terreno abrigava uma grande cracolândia onde circulavam cerca de 200 a 300 usuários de drogas, contam os moradores. Ratos, baratas e tapurus –larvas que entram na pele– eram outros habitantes do lixão. Hoje, no local, há crianças brincando.

A horta foi criada em 2013, após a chegada da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora), mas faz parte de um programa municipal que já existe desde 2006, na gestão do ex-prefeito Cesar Maia (DEM): o Hortas Cariocas, que tem como foco a segurança alimentar.

No ano passado, a ONU incluiu o projeto na lista de ações consideradas essenciais para alcançar os seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. São 49 plantações espalhadas pela cidade, 25 em escolas e 24 em comunidades, somando 3.720 canteiros, 24 hectares e mais de 80 toneladas colhidas por ano.

Funciona como uma incubadora de empresas, na analogia do idealizador do projeto, o engenheiro agrônomo Julio Cesar Barros. A Secretaria de Meio Ambiente encontra comunidades onde já há uma articulação local sobre hortas e investe com apoio técnico, insumos e bolsas aos hortelãos.

Empregabilidade e autoestima são dois dos pilares. A ideia é que uma hora essas plantações se tornem autossustentáveis e se emancipem da prefeitura, diz Julio. “O que move o projeto é o resultado, a produção, não é um programa assistencialista”, defende.

Antes da pandemia, metade das hortaliças colhidas era dada para famílias em situação de insegurança alimentar, asilos e creches. A outra metade era vendida. Agora tudo vem sendo doado.

Em Manguinhos, Ezequiel repete que o sobrenome do projeto é “resgatar vidas” e afirma que a sua foi a primeira a ser salva. Depois, veio a hortelã Sani Cristina dos Santos, 38, que viu o filho adolescente morrer de infarto em seu colo e encontrou na horta uma forma de seguir em frente.

Juntou-se ainda sua mãe, dona Luiza, que tinha pressão alta, diabetes, uma rotina desmotivada e achou na plantação uma razão para acordar. Por fim, chegou Leonardo Ferreira, 24, que largou quatro anos de tráfico de drogas para se dedicar às hortaliças.

Começou no crime cedo, aos 12 ou 13 anos, e decidiu sair dessa vida “desesperadora” depois que nasceram suas duas filhas, com a sobrinha de Ezequiel. “Hoje, só quero plantar o bem para colher o bem”, diz.

Eles integram a equipe de 21 pessoas que zela pela horta de Manguinhos. Cada hortelão ganha uma bolsa de R$ 500 mensais, e a maioria faz outros trabalhos para sustentar a família.

Nem tudo é terreno fértil. A rotina de operações e tiroteios às vezes paralisa o trabalho na terra, apesar de a situação estar mais calma após a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que restringiu ações policiais na pandemia, segundo moradores.

A plantação fica ao lado de uma avenida apelidada de Faixa de Gaza, por causa dos frequentes confrontos com troca de tiros, e à tarde as bocas de fumo se espalham pela favela.

Outro desafio do Hortas Cariocas é as plantações que “não vingam”. “Normalmente, elas são fechadas por falta de resultado e de motivação da equipe. Às vezes, as pessoas acham que é um cabidão de empregos”, afirma o agrônomo Julio Barros.

O programa também passa por um momento turbulento com a troca de gestão na prefeitura, agora com Eduardo Paes (DEM). Um contrato de R$ 95 mil mensais que previa três engenheiros agrônomos, alguns técnicos e caminhões terceirizados para transportar insumos se encerrou em fevereiro, o que fez faltar adubo e causou o descarte de milhares de mudas, usadas para alimentar galinhas.

O Movimento Baía Viva pediu nesta semana que o Ministério Público apure um suposto “desmonte do projeto”, o que o secretário de Meio Ambiente, Eduardo Cavaliere, nega. Ele diz que o fim do contrato não gerou impacto nas hortas e que não renová-lo foi apenas uma mudança operacional.

Cavaliere argumenta ainda que profissionais e veículos da própria prefeitura suprirão a demanda e que a intenção da nova administração é reduzir os serviços terceirizados. Também acrescenta que o orçamento previsto para o programa foi ampliado de R$ 1 milhão para R$ 1,6 milhão neste ano.

A ideia é fortalecer as hortas, segundo a prefeitura. Há planos para abrir mais cinco plantações e fazer composteiras locais para alimentar as mudas, além de ampliar a criação de peixes pela tecnologia da aquaponia (quando os animais vivem no ambiente aquático e plantas são cultivadas na superfície, estimulando o crescimento um do outro), inaugurada em uma unidade de Jacarepaguá (zona oeste) no ano passado.

Um dos locais que pode receber os animais é Manguinhos, onde Ezequiel segue com o objetivo de levar uma alimentação saudável para a favela onde nasceu e cresceu: “Futuramente, teremos famílias mais saudáveis, porque o orgânico está nas comunidades. Minha filha vê e já segue esse caminho.”

As informações são da Folhapress

Por Redação do Jornal de Brasília com informações de Sandra Barreto da Gazeta do DF

Foto Reprodução